segunda-feira, 31 de agosto de 2015

[ENTREVISTA ESPECIAL] Contra mudança climática religiosos são difusores de mensagens pelo meio ambiente



Ana Clara Jovino
Adital

Metas e medidas para proteger a natureza das ações destrutivas do homem e amenizar os impactos das mudanças climáticas, como reduzir a emissão de gases de efeito estufa, estão sendo preparadas por vários países para contribuírem com a Convenção das Nações Unidas sobre o Clima (COP21), que acontece entre o fim de novembro e início de dezembro deste ano, em Paris [França].
Uma dessas contribuições foi firmada no último dia 25 de agosto, na cidade do Rio de Janeiro, quando lideranças de 12 comunidades religiosas nacionais e internacionais assinaram a Declaração Fé no Clima. Este é um documento informal do segmento religioso brasileiro para a COP21. O evento foi promovido pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser).
Para falar sobre a relação das religiões com o tema socioambiental, a Adital entrevistou a antropóloga Maria Rita Villela, pesquisadora do Programa de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Iser. Ela diz acreditar que a mobilização dos/as religiosos/as em torno da temática é importante por eles serem grandes propagadores de mensagens.

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O Papa Francisco e outros líderes de diversas religiões, como judeus, muçulmanos, ortodoxos, anglicanos, budistas e hindus, devem ser porta-vozes da mensagem de defesa do planeta. Foto: Osservatore Romano.

ADITAL - Qual a importância das lideranças religiosas levarem para suas comunidades o debate sobre as mudanças climáticas, em linguagem de fácil acesso, que estimule a reflexão sobre como os homens podem transformar os modos de vida?
Maria Rita Villela – Vemos, atualmente, que a ciência especializada e as comunidades mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, como os eventos extremos, muita chuva concentrada em pouco tempo, longos períodos de estiagem etc. conseguem compreender mais diretamente esse fenômeno e suas dramáticas consequências sobre a vida no Planeta. Contudo, a maior parte das pessoas que não sente diretamente os efeitos das mudanças ambientais globais não consegue entender como esses eventos se relacionam com as suas escolhas de vida.
A fala religiosa, que explica a sacralidade da criação, introduz um imperativo ético e moral de conduta, que mostra a responsabilidade de cada um dos seres humanos diante da complexidade de fatores que contribuem para a manutenção da vida na Terra. Coloca a natureza no plano do sagrado, e o sagrado não devemos corromper.
Apresenta a perspectiva do cuidado que se deve ter com o presente de Deus ou com as entidades divinas que, em algumas tradições, se manifestam em elementos da natureza. Desse modo, a linguagem sagrada religa (que é a origem da palavra religião) o ser humano com o que nos cerca, e esta aproximação pode gerar resultados mais tangíveis de sensibilização e mobilização.

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Maria Rita Villela é antropóloga e doutoranda em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Foto: Arquivo Pessoal.

ADITAL - Como a senhora avalia as ações que as comunidades religiosas efetuam para protegerem a natureza e enfrentarem as mudanças climáticas? Elas resultam em avanços significativos?
MRV - As ações das comunidades religiosas costumam ir na direção da educação e da sensibilização, embora, muitas tradições tenham avançado em projetos de energia solar, agricultura agroecológica, projetos piloto de bioconstrução, entre outros. Dito isto, é ainda difícil medir, e isso requereria uma pesquisa ampla específica sobre o assunto, os resultados tangíveis em termos de redução das emissões ou a diminuição do desmatamento, ou a busca por novas fontes de energia dessas iniciativas no plano, digamos, bruto, como diria [o mestre budista] Lama Padma Samten.
Mas as religiões agem, como nenhum outro segmento, no plano sutil. Provocam reflexões, questionamentos, ensinamentos e explicações, que têm resultados menos tangíveis, mas não menos importantes, no plano pessoal, espiritual, energético, comunitário. Isto é difícil medir, mas poderemos ver resultados significativos ao longo dos anos. É como uma semente plantada debaixo da terra, que ninguém vê, germina lentamente, brota delicadamente, antes de virar uma árvore forte e muito maior do que nós mesmos. Essa é a nossa esperança.
ADITAL - Qual o papel das lideranças religiosas engajadas com o tema socioambiental na COP21?
MRV - As lideranças religiosas falam para suas comunidades de fé sobre os mais diversos assuntos e influenciam perspectivas e modos de agir. A partir do momento em que religiosos do mundo passam a evocar o tema socioambiental e climático em suas narrativas, temos milhares e milhares de pessoas a quem esse tema chega, em uma linguagem acessível, fácil de apreender.
As COPs são eventos políticos que geram imensas mobilizações. Ter comunidades religiosas também sensibilizadas, gerando burburinho e fazendo barulho com relação às metas dos países mostra que as decisões que forem tomadas nessa Cúpula estão sendo, no mínimo, acompanhadas por muita gente, para não dizer influenciadas por elas.
Mas, independente das COP, a mobilização dos religiosos em torno desse tema é importante por eles serem grandes propagadores de mensagens e essa é realmente uma que acho que valha a pena espalhar, pelo bem de todos.

A COP21, que será realizada em Paris, é um dos principais espaços de proposição de medidas para conter impactos ambientais negativos. Foto: Reprodução.

ADITAL - Depois do lançamento da encíclica do Papa Francisco, Laudato Si’, o cuidado com o meio ambiente vem sendo bastante discutido em todo o mundo. A senhora acha que isto influenciou também as religiões a começarem a abordar o tema em seus discursos?
MRV - Sim e não. As religiões já abordam a relação do ser humano com a natureza há milênios. Então, não acho que possamos dizer que as religiões como um todo passaram a se preocupar mais com o tema ecológico ou com as mudanças climáticas como resultado da Encíclica. Até porque é uma minoria de pessoas que tem acesso ao texto, que tem mais de 100 páginas.
Contudo, acredito na importância da Encíclica como um documento mais que religioso, humanitário, que marca um momento de necessidade de convergência entre humanos e a "nossa Casa Comum”, como Papa Francisco coloca. Assim, creio que o texto seja de importância geral para todas as pessoas, religiosas e não religiosas, pois aponta para os grandes desafios das sociedades contemporâneas.
Certamente a Encíclica tem influência na agenda católica e cristã mais ampla e isto, em si, já é um grande resultado. Mas, em se tratando de religiões de outras matrizes, não creio que a Encíclica possa ter uma influência tão direta. Em minha perspectiva, as religiões que já abordavam a ecologia irão continuar a fazê-lo e aquelas que não abordavam talvez incorporem o tema, não por resultado direto da Encíclica, mas porque vivemos em um momento de crise de valores que gera incompreensão e destruição, e esse quadro, se tornando cada vez mais evidente, será impossível ignorar.
ADITAL - Especialistas consideram audaciosa a proposta brasileira de zerar as emissões de gases de efeito estufa até 2100, que será apresentada na COP21. O que a senhora pensa sobre isto? E o que as lideranças religiosas poderiam fazer para que as metas fossem cumpridas?
MRV - O Brasil tem se gabado de ter uma matriz energética limpa e ter controlado o desmatamento nos últimos anos, o que nos coloca em uma vantagem em relação aos demais grandes países emissores, mas isto não quer dizer que, num futuro próximo, o Brasil não possa estar entre os maiores emissores em geração de energia e em mudança de uso do solo. Porque, se não houver planejamento e incentivos apropriados, e tendo em vista o petróleo do pré-sal, nós rapidamente podemos ocupar postos altos no rol de emissores de GEE [Gases de Feito Estufa].
O que se espera é que o governo apresente metas de longo prazo para uma matriz energética mais renovável ainda (incluindo solar e eólica), a diminuição dos incentivos aos combustíveis fósseis e o reflorestamento, e não apenas o controle do desmatamento. Assim, podemos, sem muito sacrifício, chegar a zero emissão e ficar assim por muito tempo. Eu gosto de metas mais em longo prazo e, portanto, mais audaciosas.
As lideranças religiosas podem buscar explicar de um jeito mais acessível quais são esses dilemas nacionais em torno das emissões. E como isso influencia a vida das pessoas. E o que as pessoas podem fazer para influenciar politicamente quem toma as decisões na Cúpula, mas também na sua casa, na sua comunidade, na escola. Quanto mais gente entender sobre esse assunto, melhor.

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O Papa Francisco, na Encíclica Laudato Si, discute meio ambiente a partir da crítica ao sistema capitalista. Foto: Reprodução.

ADITAL - O que a senhora tem a dizer sobre como o Papa Francisco está conduzindo a questão do cuidado com o planeta?
MRV - Sou super fã do Papa Francisco. Achei a Encíclica emocionante e gostosa de se ler. Como lido com o tema ambiental e climático há muitos anos, foi quase como a realização de um sonho ver tanta gente falando sobre isso — até o Papa. Fiquei feliz e esperançosa por melhores dias.
Achei que ele toca num ponto crucial, que é difícil de ser enfrentado, que é o questionamento do modelo econômico vigente. Isso tudo em uma prosa agradável e bela. Agora, a Igreja Católica terá por missão fazer repercutir o mandato em todas as paróquias. Precisamos, agora, acompanhar, para sermos capazes de analisar os efeitos concretos que esse documento, que é voltado para a ação, terá na comunidade católica e em "nossa Casa Comum”.
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