domingo, 30 de agosto de 2015

Artigo: Reestruturação do Incra e política de Estado

Publicado dia 30/08/2015
Foto: Ascom/MDA
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária completou 45 anos de existência no dia 9 de julho deste ano. Livros publicados por funcionários experientes, do Vale do Gurgueia no Piauí ao recente desenvolvimento do Acre, que viveram diversas fases de ocupação do território nacional, especialmente o semiárido, o cerrado e a floresta amazônica, contam com simplicidade, mas com riqueza de detalhes os conflitos políticos, jurídicos e humanos vividos pelos brasileiros que asseguraram à nossa pátria a soberania sobre o ativo terra. 
Quero homenagear os homens e mulheres que enfrentaram grileiros e pistoleiros, malária, condições duras de trabalho e de vida nos rincões do nosso país, para executar a política de Estado para a governança da terra brasileira. 
O Incra foi criado para ordenar e regularizar a posse da terra para os bons cidadãos que produzem riqueza, e para garantir a terra aos trabalhadores rurais desterritorializados e marginalizados. Incra e cidadania, riqueza e reforma agrária deveriam sempre andar de mãos dadas. Por que isso não é compreendido assim pela metrópole e sua urbanidade? Basta uma seca no Sudeste ou uma greve de caminhoneiros para que todos percebam a importância de gestão do território, como mostra a pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre as Regiões de Influência das Cidades brasileiras (REGIC). 
As mudanças climáticas estão gerando investimentos preventivos em muitos países nos campos hídrico (gestão das águas) e alimentar (cadeias logísticas de abastecimento). O Brasil é um gigante com potencial para atender às suas necessidades e de muitos povos irmãos. Qual modelo agrário nos dá maior segurança alimentar, hídrica e energética? 
Ao lado do trabalho e do capital, a forma de uso e ocupação da terra de um país depõe sobre seu grau de desenvolvimento. Cidadãos urbanos, às vezes esquecemos que da terra vem a segurança da alimentação saudável (ou não), a segurança hídrica (ou a destruição dos corpos d’água), e boa parte da segurança energética pelas fontes renováveis em qualquer escala. Quanto mais avançada a tecnologia produtiva - e nosso grande patrimônio de pesquisa sobre o complexo agroindustrial que é a Embrapa comprova a tese nos sistemas agroflorestais, por exemplo - maior a diversidade produtiva e maior a renda gerada. Quanto mais desenvolvidos os sistemas urbanos integrados ao campo, mais sustentáveis são as cidades e melhor distribuída a população e a renda no território. Latifúndio improdutivo ou fazendas com trabalho escravo, destruição de florestas, monocultura, agrotóxicos, concentração metropolitana e concentração da renda são comprovantes do subdesenvolvimento e de quanto ainda temos de evoluir em nosso país. E, ao contrário do que a medição do Censo Demográfico mostra ao contar o local de residência, ao analisarmos os fluxos de pessoas, mercadorias e informação, cerca de 37% dos brasileiros vivem em sistemas rurais, o que inclui cidades de médio e pequeno portes. 
O Incra é uma autarquia vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Cabe a ela, constitucionalmente, o controle georreferenciado sobre o solo da pátria, evitando a perda da soberania pela venda descontrolada de terras ao capital estrangeiro, exercer a governança fundiária evitando latifúndios e minifúndios, bem como fazer retornar à produção os camponeses e trabalhadores rurais sem terra. 
Nos dias de hoje, ao contrário da época da colonização militar, precisamos observar a questão ambiental, as comunidades e povos tradicionais, e apoiar o reassentamento dos atingidos por barragens e outras grandes obras públicas. Além de manter o Cadastro dos Imóveis Rurais, precisamos fiscalizar a função social da propriedade. Na Constituição pátria, conforme os Artigos 5º, inciso XXIII, 170, inciso III e 186, a função social da propriedade se define pela capacidade produtiva (evitar usar a terra como reserva de valor), pelas leis trabalhistas (trabalho escravo não pode atribuir capacidade produtiva a uma propriedade, pelo menos não em um país democrático e não escravista) e pelo bem-estar dos habitantes do seu entorno. 
Como assumi a Presidência do Incra em 30 de março de 2015, ainda estou, ao lado da Diretoria Colegiada e de todos os servidores, colocando em operação uma estratégia de modernização da Autarquia que abrange: 
a) a questão tecnológica, com a integração das bases de dados dos diversos cadastros (terras e beneficiários da reforma agrária), uso de sensoriamento remoto para fins de regularização e fiscalização fundiária, automação dos processos para redução de prazos e autoatendimento online. Para tanto, estamos contando com parcerias de uma rede de pesquisas de Universidades Federais, com o Ministério da Defesa e com captação de recursos para investimentos via Fundo Amazônia/Ministério do Meio Ambiente e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); 
b) a questão normativa, com revisão do Regimento Interno, estrutura gerencial e procedimentos operacionais que se adequem à automação e ao planejamento de regiões rurais, e não imóveis isolados, como vem sendo considerados até aqui. Nesse aspecto se insere a edição da Instrução Normativa 83, de 30/07/2015, publicada no Diário Oficial da União em 06/08/2015, que orienta os cerca de mil agrônomos Peritos Federais Agrário do Incra a adotar estudos produtivos territoriais na avaliação de imóveis, além dos aspectos agronômicos tradicionais, permitindo assim atualizar de forma consistente com os mercados de terra locais os preços da terra nua, base de cálculo das indenizações pelas desapropriações ou aquisições de terras para fins de reforma agrária; 
c) resgatar o papel arrecadador do Incra, com cobranças de taxas por serviços e certificados emitidos, fiscalização de uso da terra para fins de apuração do Imposto Territorial Rural (ITR) e parcerias diversas com a Receita Federal do Brasil, sendo esse papel extremamente relevante num cenário de austeridade fiscal em que vive nosso país, e uma contribuição do Incra e do MDA ao nosso Governo no esforço fiscal em curso; 
d) fazer convergir as políticas agrária e agrícola, dando novo impulso à industrialização em escala familiar e cooperativista nos territórios de reforma agrária, elevando a renda das famílias, trazendo às novas gerações oportunidades de empregos e formação tecnológica na indústria e serviços, e também dessa forma contribuindo para a retomada do desenvolvimento através do estímulo à produção e comercialização de bens de capital para as cooperativas e fábricas que serão implantadas com apoio do MDA entre 2015 e 2018. Para tanto, contamos com parcerias com a Fiocruz, Universidades, Embrapa, Bancos Públicos, Cooperativas de Produção e de Crédito e Governos Estaduais, à semelhança da experiência do Acre em que uma rede de cooperativas de assentados e agricultores familiares daquele Estado, atuam de forma integrada à duas unidades de beneficiamento da produção de peixe e castanha do Brasil, respectivamente; 
d) democratização da gestão, através do diálogo permanente com os diversos movimentos sociais, servidores e seus Sindicatos, Conselhos e Academia, que nos apoia na rede Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária). 
Finalmente, com o apoio do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Controladoria-Geral da União (CGU), estamos implantando uma nova Auditoria Interna, uma Corregedoria e uma Ouvidoria para que, ao lado da tecnologia da informação, os procedimentos internos sejam melhor controlados e as ilicitudes identificadas e coibidas no nascedouro. 
Assim, presto esclarecimentos à sociedade brasileira, resumidamente, sobre os esforços de gestão do Incra no Governo da Presidenta Dilma Rousseff e declaro que uma Autarquia com tão nobre missão será, sem dúvida, motivo de orgulho e esperança para os que acreditam no desenvolvimento nacional com paz no campo e justiça social.

Maria Lúcia Falcón
Engenheira Agrônoma, Mestre em Economia, Doutora em Sociologia, Professora da Universidade Federal de Sergipe
Presidente do Incra

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