segunda-feira, 20 de abril de 2015

Estrangular economia também é forma de apartheid contra a Palestina


'O Brasil é o 5° maior importador de Israel. Precisamos deixar claro que o lucro com essas parcerias vai para o esforço de guerra contra o povo palestino.'


Leonardo Severo e Luiz Carvalho, de Hebron-Palestina
Rusty Stewart / Flickr
Com milhares de anos, Hebron, uma das cidades habitadas mais antigas do mundo, tem seu nome árabe Khalil al-Rahman como “O amigo de Deus”. Da mesma forma que em hebraico deriva da palavra “amigo”, com referência ao patriarca bíblico Abraão, considerado um santo por cristãos, judeus e muçulmanos.

Infelizmente, a benevolência e a cordialidade transformaram completamente o ambiente desde 1967, quando a presença israelense se desenhou nas ruas da cidade sagrada à ponta de baioneta e algumas centenas de colonos sionistas passaram a impor o pesadelo sobre o conjunto da população árabe. Atualmente, cerca de 175 mil palestinos são obrigados – por força de tanques, fuzis e metralhadoras – a conviver com mandos e desmandos diários dos ocupantes, entrincheirados em bairros centrais por detrás dos checkpoints.

Na chegada à cidade, fomos recebidos pelo jornalista e pesquisador Ahmad Jaradad, do Centro de Informação Alternativa, que logo foi descrevendo como se dá o cotidiano da ocupação. “Em Hebron, 5.500 palestinos não podem sequer circular de carro. Mesmo se for algo emergencial, de doença grave, a pessoa antes precisa informar a Autoridade Nacional Palestina, que por sua vez precisa pedir autorização a Israel. Assim, muitas pessoas acabam tendo de socorrer os entes queridos carregando nas costas, já que é mais rápido do que aguardar por Israel. Isso é vexatório e humilhante”, relatou.

O apartheid imposto por Israel se manifesta de diversas formas e os bloqueios visam fazer da vida dos palestinos algo cada vez pior para que sejam estimulado a deixar a terra. Uma das artimanhas é estrangular a economia por meio da circulação de produtos.

Ahmad Jaradad explica que Hebron produz uvas, vestuário e pedras para construção; Ramalah, oliveiras; Jericó, laranjas, limões e batatas; e Gaza uma cesta de vegetais, frutas e peixes. “Quando Israel impede o fluxo de produtos de Gaza, os preços disparam. Produto essencial na dieta árabe, o quilo do preço do tomate, que é de meio dólar (R$ 1,80) chega a 7,20 dólares. O peixe atualmente é um sonho. Hebron é a cidade mais industrializada da Palestina, muita gente foi expulsa do vale do Rio Jordão, mas fica sem poder nem ver sombra de peixe”, diz. 

Por isso, também como resposta, ele faz um apelo para que a imprensa livre reforce a campanha de boicote: “O Brasil é o quinto maior importador de Israel – mas também de uma cesta de várias outros produtos com capital sionista, como o café Três Corações, ou com joint-ventures com Israel. É importante deixar claro, quando falarmos com a população, que o lucro com essas parcerias vai para o esforço de guerra contra o povo palestino e a própria população civil de Israel, que são em última instância as que mais sofrem com essa política belicista”, declarou Ahmad Jaradad. E fez um alerta sobre a responsabilidade coletiva com a construção de um novo tempo: “Sem a paz verdadeira, que é aquela que garante direitos, a saída será a guerra permanente”. 

De acordo com o jornalista, “os assentamentos são um empecilho a que os palestinos tenham paz e soberania em sua própria terra, pois tudo gira em função deles, da negação de direitos”. No dia anterior à nossa chegada, a população simplesmente ficou presa dentro das suas casas, sem poder sair. “Fecharam três checkpoints e todos ficamos ilhados sem saber sequer a razão”, condenou.

“São atropelos que não impactam somente nos direitos humanos, mas também nos aspectos políticos”, esclarece Ahmad Jaradad, pois fomentam uma crescente repulsa à forma discricionária com que o governo israelense se comporta em relação a cidadãos que têm cada vez mais consciência dos seus direitos. “Hoje existe uma mídia alternativa por meio da qual as pessoas são informadas de centenas de milhares de manifestantes solidários à causa palestina em Londres, em Paris e mesmo nos Estados Unidos, o que vai fortalecendo a convicção das novas gerações. Por sua vez, o mundo inteiro vai se informando da realidade que vivemos, de toda a brutalidade que significa a ocupação. Portanto, a solução para o problema é política. Será a pressão sobre os governos o que mudará a atual situação”, enfatizou.

Neste momento, explicou o jornalista, “22% de toda a população dos territórios ocupados (Cisjordânia e Jerusalém Oriental) estão aqui próximas à cidade de Hebron”. “Diferente de outras cidades palestinas, aqui os colonos vivem dentro da cidade. São cinco assentamentos distintos. Por causa deles, a cidade é divida entre Norte e Sul, fisicamente. Todos os dias os colonos atacam a população palestina. É um tipo de apartheid que é único, ainda mais agressivo, pois há o confisco de terra dentro da própria cidade e nas ruas a presença dos soldados e as cancelas estampam a ocupação por inteiro”, acrescentou. Durante uma rápida caminhada pelo centro velho da cidade pudemos acompanhar de perto grupos de soldados sionistas fazendo uma “ronda” de “segurança”, assim como ver as redes erguidas pelos palestinos para se protegerem das pedras e do lixo lançado pelos colonos israelenses sobre suas cabeças. Cenas indescritíveis, como a da criança palestina de cinco anos presa recentemente em Hebron por soldados de Israel.

Sobre a gravidade da situação humanitária na Faixa da Gaza, Ahmad Jaradad denunciou o empenho do regime sionista em manter sua política criminosa de cerco e aniquilamento da população civil, abandonada à própria sorte em meio aos rigores do inverno. Ao mesmo tempo, alertou, busca impedir qualquer comunicação que denuncie a dura e crua realidade. “Recentemente, 125 ativistas dos movimentos sociais de Gaza se inscreveram para ir ao Fórum Social Mundial de Túnis e foram barrados pelas autoridades de Israel. Por quê? Para que não pudessem dar visibilidade, com o seu depoimento, ao que está acontecendo lá neste momento onde cerca de 400 mil pessoas estão sem ter onde para morar, sobrevivendo sob as ruínas das suas casas, sob árvores ou nas ruas”, condenou.


Créditos da foto: Rusty Stewart / Flickr

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