domingo, 19 de abril de 2015

Crise no jornalismo: estudar é preciso

Por Elis Monteiro em 14/04/2015 na edição 846

O ano de 2015 mal começou mas já mostrou a que veio: os primeiros meses foram cruéis para os jornalistas. Demissões em massa no jornal O Globo e, agora, no Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo, a mesma coisa na Band e no Diário de Pernambuco. Revistas encolhem, a Editora Abril dá sinais de fadiga e toda uma categoria teme pelo fim da profissão. Pelo menos o fim da profissão como ela era. É triste, mas a tendência é inexorável. É mais do que hora de o jornalista se reinventar, já que o jornalismo já o está fazendo.
Há muitos desempregados, cada vez mais; os frilas escassearam, e se nas redações a quantidade de vagas encolheu, nas assessorias de imprensa a coisa não está muito melhor. Sentindo o tamanho da dificuldade, no mês de março decidi fazer alguma coisa para ajudar os colegas que passam por momentos difíceis: criei uma fan page, uma página no Facebook dedicada ao compartilhamento de vagas, no endereço www.facebook.com/compartilhevagas. A ideia é que o espaço sirva de intermediário entre empresas que precisam contratar e pessoas talentosas em busca de oportunidades. Criada num primeiro momento para recolocação de colegas jornalistas, a página fez tanto sucesso que resolvi abrir o espaço para outros profissionais da área de comunicação.
Recebi centenas de currículos. De estudantes e estagiários a profissionais sêniores, são muitos os talentos em busca de chances, no Rio de Janeiro e em São Paulo. O que muitos podem enxergar, no entanto, como um “copo meio vazio”, para mim é sinal forte da necessidade contumaz de mudanças na forma como os jornalistas encaram sua profissão. Parece chavão – e na verdade é – mas mais do que nunca é preciso se reinventar profissionalmente. A crise se aproxima, mas com as ferramentas certas as oportunidades podem aparecer. O copo pode estar meio cheio, mas para isso é preciso que os colegas acordem e reajam. Urgentemente.
Todos sabemos que é em momentos de crise que as empresas mais precisam se comunicar com o mercado. Ou seja, mais do que um jornalista, o profissional precisa, agora, se perceber como um comunicador. E um comunicador trabalha com e em qualquer plataforma que permita comunicação. E, aqui, estamos falando de novas picadas que é preciso desbravar. E os caminhos podem ser abertos pelos mesmos jornalistas que, agora, só conseguem se enxergar batendo ponto em redações e/ou assessorias de imprensa.
A tendência é que tais agências nem sejam mais “assessorias de imprensa” e sim “assessorias de comunicação” e que as plataformas sejam todas tratadas da mesma forma. Já se foi a época em que a imprensa era a única – ou primeira – fonte de informações. Trabalhar com novos formadores de opinião e com canais emergentes é um caminho que muitos coleguinhas ainda não perceberam. Tanto os que estão por ora desempregados quanto os que ainda estão dentro dos prédios de conglomerados de comunicação.
Novas formas
É preciso que fique claro: mais do que conhecer e dominar as ferramentas, o profissional de comunicação da era digital precisa conhecer os novos influenciadores, as novas oportunidades de exploração de viabilidade para seus clientes e um novo contexto no qual um jornalista formado e com mente apurada pode fazer diferença.
Conhecer os processos e as influências da internet é um primeiro passo. Mas não é o único. O jornalista precisa aprender a 1) planejar; 2) estruturar planos de comunicação; 3) focar no público-alvo certo; 4) executar ações on/offline; 5) mensurar resultados. Ou seja, chegou a hora do jornalista se profissionalizar.
Explico: quando estamos mergulhados no universo das redações, não nos é concedido o direito de nos aprimorar. As chefias não só não incentivam como na maior parte das vezes impedem que os jornalistas estudem, devido à alta carga de trabalho ou a uma miopia histórica – em alguns casos, por puro e simples medo da concorrência. Isso mesmo: até então, para ser jornalista era necessário “apenas” a formação em Comunicação Social. Saber escrever era um dom – casado com um certo “ódio à matemática”- com o qual o profissional nascia. Predestinado, acabava indo parar em jornais, revistas, rádio ou TV pronto para apurar, separar as informações, definir lead e sublead, revisar e editar.
O jornalista acabou não se especializando; não correu atrás de um MBA, um mestrado ou um curso de especialização. Simplesmente porque não podia ou não devia. Afinal, para que almejar se tornar um gestor de projetos se no fim do dia o que importava mesmo era entregar o texto nodeadline?
Remexendo nas centenas de currículos que recebi – a maior parte, de jornalistas – pude perceber que a maioria não seguiu sua formação. Isso não significa, claro, que ter um diploma de MBA ou uma especialização em gerenciamento de projetos garanta vagas para tais profissionais; da mesma forma, não o possuir não é sinônimo de desemprego. Mas a concorrência é grande e é preciso uma nova forma de pensar a profissão. E, em qualquer segmento, quanto maior o conhecimento, maiores são as chances. Os coleguinhas precisam entender que não são escolhidos de Deus que vão lutar contra as agruras da sociedade. São profissionais que precisam estar de olho no mercado e se reciclando o tempo todo.
Olhos de ver
A notícia triste é: as empresas de comunicação, aquelas mesmo que impediam o aprimoramento de seus profissionais, agora querem o contrário: buscam profissionais que possam planejar, pensar de forma estratégica e que, de quebra, sejam capazes de mensurar os resultados de seus trabalhos.
A sorte é que o Brasil entra agora na era da inovação – e só a inovação e o empreendedorismo podem salvar um país. Há espaço para novos empreendimentos, novas formas de trabalho – coletivas, por exemplo – e uma oferta variada de cursos de aprimoramento profissional. É hora de valorizar o saber e correr atrás de novas habilidades.
Ficar se lamentando pelas vagas perdidas não ajudará em nada a profissão. O jornalista precisa aprender a pensar como qualquer outro profissional; a valorizar seu passe e seu conhecimento; a usar as redes sociais a seu favor; a usar conexões profissionais (jornalista só faz networking na porta da cadeia, à espera do delegado); a estudar. Para quem valoriza seu currículo e enxerga oportunidades de aprimorá-lo, o momento é excelente. E é nos momentos de crise que acontecem as grandes mudanças. Com o jornalismo não pode e não será diferença.
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Elis Monteiro é jornalista especializada em tecnologia e professora de novas mídias

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