domingo, 24 de agosto de 2014

O juiz que manda policiais para a cadeia


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Surpresa: Tribunal de Justiça Militar mostra-se efetivo para punir crimes da PM e só não faz mais por omissão do Ministério Público
Por João Paulo Charleaux | Fotografias: Helena Wolfensonb, na Vice
Paulo Casseb comanda uma das poucas quebradas de São Paulo onde a PM tem medo de entrar. O prediozinho discreto e arborizado onde esse juiz sorridente de 45 anos bate ponto todo dia não esconde nenhuma facção criminosa nem arsenal de bandido, mas é visto como um terreno hostil mesmo pelos Charles Bronson da corporação.
“De visita?”, pergunta o responsável pela portaria a um oficial de farda e coturno que passa pelo detector de metais instalado na entrada. “Não quero voltar aqui nunca mais”, retruca a seco o visitante, arrumando a boina na cabeça e caminhando na direção dos corredores assépticos que conduzem às salas onde se dão os julgamentos.
Nenhum PM gosta de entrar na sede do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo, na Vila Buarque. É lá que os acusados de crimes militares e infrações disciplinares são julgados.
“O percentual de condenação em 2013 foi de 69%. Em 2014 (dados coletados até 31 de maio), de cada 10 policiais julgados 7,2 foram condenados, implicando em 72% de condenações”, contabiliza o juiz. Ele coordena o trabalho de uma equipe formada por quatro militares e três civis responsáveis pelas sessões e acredita que essa seja a instância mais eficiente para julgar réus que trabalham do lado da lei.
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A partir de 1996, tribunais como o que Casseb preside perderam a atribuição de julgar crimes dolosos contra a vida de civis cometidos por PMs. Estes casos passaram a ser julgados a partir de então pelo Tribunal do Júri, no qual cidadãos comuns votam pela condenação ou pela absolvição de policiais militares. O último julgamento de grande repercussão desse tipo levou 22 anos para terminar com a condenação dos envolvidos no Massacre do Carandiru, no qual 111 presos foram mortos pela PM em São Paulo em 1992, por exemplo.
Paulo Casseb dá a entender que tirar esses casos da alçada dos tribunais militares foi um mau negócio que só aumentou a impunidade de policiais. “Em razão do julgamento pelo Júri o número de absolvições aumentou, o que comprova que a Justiça Militar não é corporativista”, pondera.
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Lembro o juiz da frase atribuída ao francês Georges Clemenceau: “A Justiça Militar está para a Justiça assim como a banda militar está para a música”. Ele embarca na metáfora para explicar sua tese: “Toda banda militar é composta por percussão e bumbo, não há instrumentos de cordas. Isso dá maior dinamismo à execução da música. Fazendo um paralelo, a Justiça Militar, por tratar-se de Justiça Especializada, focada em uma matéria específica, não sofre as amarras das ‘cordas’ dos milhões de processos, sobre infinitos temas, que sobrecarregam a justiça comum, permitindo julgamentos céleres (rápidos), o que é fundamental para que o controle judicial da atividade policial militar seja verdadeiramente efetivo.”
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Trocando em miúdos, ele considera a justiça comum lenta demais e o júri popular, condescendente demais com os militares que cometem crimes. Casseb afirma que “a situação é simplesmente incomparável” entre essas duas instâncias e, a julgar pelos números, se mais denúncias contra PMs caíssem em suas mãos, haveria ainda mais condenações.
As críticas que ele faz à justiça comum ficam mais palpáveis quando menciona os abusos policiais cometidos durante os protestos iniciados em junho de 2013. O juiz explica que “a PM encaminhou inquéritos concluindo pela existência de crimes durante as manifestações de 2013”, mas, para que houvesse condenação, era preciso uma ação mais efetiva de um órgão civil, o Ministério Público, que, segundo ele, “entendeu que não havia indícios plausíveis de crime militar nos casos apurados e, por isso, deixou de propor ações, requerendo o arquivamento dos inquéritos”.
Perguntei por escrito à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo quantos policiais foram punidos por infrações cometidas durante os protestos, mas não obtive nenhuma resposta até agora.
É difícil acreditar piamente na tese de que militares devam julgar militares, mesmo que juízes civis como Casseb façam parte desses tribunais. O fato é que os julgamentos de crimes cometidos por policiais na instância civil são tão lentos, raros e ineficientes que qualquer pessoa preocupada com o tema se sente inclinada a analisar alternativas.
Penso em casos como o de Gerson Mendonça de Freitas Filho, morto em 2006 pela polícia. Ele estava no banco de trás de um veículo roubado, como refém de um sequestro-relâmpago em São Paulo. Ao todo, 10 viaturas policiais cercaram o carro da vítima, trocando tiros com os sequestradores durante dois longos minutos. Enquanto os criminosos dispararam oito vezes, os policiais crivaram 35 balas. Uma delas acabou matando Gerson, o refém. O tiro foi disparado pelo policial Haroldo Armando Agra. Embora o caso seja um flagrante de uso excessivo e desproporcional da força, o policial foi absolvido por júri popular. A maioria das pessoas realmente acha que o “gatilho fácil” é parte do trabalho policial. Em casos assim, militares com conhecimento técnico e independência poderiam exercer melhor julgamento, mais rápido e mais justo? Difícil dizer. Mas está aí um juiz que vem a público usando números e argumentos para defender a ideia de que sim, os tribunais militares fariam melhor.
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