quinta-feira, 24 de julho de 2014

Produção de Leite na França e sua relação com o Bem-estar Animal


Por Ana Luiza Mendonça Pinto e Iran José Oliveira da Silva
postado há 22 horas e 57 minutos atrás

Como parte de um estudo relacionando os aspectos econômicos da produção de leite bovino e o bem-estar animal, junto ao NUPEA (Núcleo de Pesquisa em Ambiência – ESALQ/USP), um acompanhamento em fazendas leiteiras na região nordeste da França está sendo realizado em cooperação com o Grupo CASE (Comportamento Animal e Sistemas de Produção, Groupe ISA-Lille).

A média local de superfície agrícola útil (SAU) desta região (Nord- Pas-de-Calais) é de 59 ha por propriedade e a produção de leite de vaca está presente em 50 % das explorações; há aproximadamente 3650 produtores e 700 milhões de litros de leite são produzidos por ano. Cada fazenda possui, em média, um rebanho 50 vacas em lactação (http://www.maison-du-lait.com/fr).

Com objetivo de entender sobre o setor lácteo francês e a visão dos produtores sobre as exigências locais, de maneira informal durante visitas em fazendas, questionei como os produtores lidam com o tema do bem-estar animal e aspectos econômicos da produção.

Felizmente, entre os professores, os alunos (futuros profissionais do setor agropecuário francês) e os produtores locais, os assuntos mais comentados são a recente reforma da Política Agrícola Comum (PAC) para a União Européia e as exigências dos consumidores e empresas do setor, como questões ambientais e o bem-estar animal.

Em relação à nova PAC, desde 2012, novas estratégias foram restabelecidas. Entre elas, foi decidida pela Comissão Européia a queda do sistema de cotas, ou seja, a partir de abril de 2015 os produtores não terão mais um limite máximo de produção. As cotas leiteiras foram implantadas em 1984 para limitar a oferta do produto em cada país como uma forma de controle indireto dos preços, garantia de renda aos agricultores independentemente do tamanho de sua produção (subsídio) e equilíbrio do mercado. Para que o setor se prepare, a cada ano a partir de 2012, as cotas estão sendo aumentadas em 1%.

Além disso, a maneira de distribuição dos subsídios será alterada, o que para alguns produtores significa redução da ajuda governamental, e há mais exigências em relação à questão ambiental e ao bem-estar animal. Há especulações sobre a capacidade de exportação do leite aqui produzido e o aumento da concorrência na Comunidade Européia, mas o mercado interno ainda não está saturado, e os produtores ainda dependem do coletor (empresa ou cooperativa) e o preço que ele quer pagar (http://www.syndicat-agricole.com/).

Alguns produtores se preparam para alavancar sua produção investindo em tecnologia e organização e acreditando em uma reestruturação rápida e positiva do mercado. Ideal é não ter grandes dívidas e a manutenção de baixos custos de produção para lidar com a instabilidade dos preços do leite e dos cereais e com a concorrência.

Recentemente foi criado pela Comissão o Observatório europeu do mercado do leite como medida complementar para monitorar o mercado de pós-quota, melhorar a transparência do mercado e fornecer, aos operadores econômicos, análises para ajudá-los a tomarem decisões comerciais (http://ec.europa.eu/agriculture/milk/milk-package/index_en.htm).

Como parte das novas exigências da PAC, as normas em relação ao bem-estar animal foram fortalecidas e os produtores se preocupam em seguir as recomendações devido às auditorias que ocorrem anualmente e ao acaso (Tabela 1).

Tabela 1. Pontos de verificação e elementos de apreciação área < Proteção animal>, regras gerais para explorações com produção animal. Traduzido de documento produzido pelo Ministério da Agricultura, Alimentação e Florestas, República Francesa.
Fonte:<https://www3.telepac.agriculture.gouv.fr/telepac/pdf/conditionnalite/2014/technique/Conditionnalite-2014_fiche-technique_protection-animale.pdf>.

Há regras mais específicas para fazendas com presença de bezerros (até seis meses de idade) principalmente em relação às instalações e alimentação, como a garantia da ingestão de colostro.

Pode ser observado que a preocupação em melhorar o bem-estar das vacas e bezerros está, muitas vezes, vinculada com a relação comercial estabelecida entre o produtor e quem compra seu produto. Neste caso, acredito que há duas grandes diferenças: fazendas que fazem venda direta e fazendas que entregam o leite para indústria ou cooperativa.

Prática tradicional nesta região, a venda direta de produtos (leite, queijos, pães, frutas, verduras, embutidos) nas fazendas ou em feiras e cooperativas de produtores aproxima o consumidor e o produtor. Esta proximidade facilita o diálogo e acelera a tomada de decisão em relação às exigências, entre elas, o bem-estar animal. Os consumidores vão às fazendas e querem ver se as vacas estão muito magras ou muito gordas, se estão limpas, se tomam água, se passam calor ou frio, onde se deitam quando estão cansadas, se vão ao pasto, se estão machucadas, onde está o bezerro. É algo que por aqui influencia a decisão de compra. O resultado é positivo porque, além de abrirem as lojas diariamente, os produtores promovem visitas guiadas, dias de colheita, seminários e atividades para as crianças: uma boa maneira de fazer marketing.

No caso das propriedades que entregam leite para empresas ou cooperativas, as exigências são regulamentadas e as auditorias pretendem garantir aquilo que a empresa define que deve ser executado. Estas exigências podem ser ou não sobrepostas às imposições do governo.

Diante destas regulamentações, líderes dos setores de carne e leite criaram iniciativas coletivas, profissionais e voluntárias para garantir uma prática moderna, responsável e atenda às demandas públicas. O criador que adere a Chartedesbonnes pratique (carta de boas práticas) tem seis compromissos essenciais:

- Rastreabilidade de seus animais;
- Saúde do rebanho;
- Fornecimento de uma dieta saudável, equilibrada e adequada ao rebanho;
- Bem-estar animal;
- Segurança das pessoas que trabalham na fazenda ou que estão ocasionalmente envolvidos com animais;
- Proteção do meio ambiente.

As explorações leiteiras também se comprometem a proteger a qualidade do leite pela higiene rigorosa (http://www.charte-elevage.fr/on-en-mange). Hoje 62% dos produtores franceses de bovino aderem e estes representam 90% dos produtos comercializados.

Verifica-se que ainda há muito a evoluir para avaliação e promoção de melhorias efetivas do bem-estar de animais de produção. Observa-se que os métodos de auto-avaliação das propriedades podem auxiliar cada produtor a ser mais consciente do que proporciona aos seus animais, e o significado de cada parâmetro exigido pelas regulamentações e pelos consumidores.

Trata-se de um exemplo com particularidades distintas das que vivemos em nosso país, contudo, com experiências que podem ser analisadas e adaptadas para a nossa realidade.
 

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