quarta-feira, 30 de julho de 2014

O berço da boa comida italiana


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Por Maria da Paz Trefaut | Para o Valor, de Emilia Romagna
Divulgação / Divulgação
Com receita desenvolvida por monges beneditinos, o Parmigiano Reggiano é feito na região desde a Idade Média e segue como produto artesanal
Com os termômetros acima de 300 C na maior parte dos dias, a região da Emilia Romagna, no Norte da Itália, vive um verão seco. Foi nessa paisagem que, na década de 1970, Bernardo Bertolucci filmou o épico "1900", para retratar o início de um século no qual os conflitos entre camponeses e proprietários de terra ocupavam o primeiro plano do confronto ideológico. Hoje, na Europa em crise, o desemprego é a questão. E o Valle del Cibo ou Food Valley, como o chamam os ingleses, é o coração agroindustrial da região e produz € 30 bilhões em alimentos por ano.
A natureza é dócil, com animais estabulados e cada centímetro de terra ocupado. Estradas sinuosas contornam as colinas, povoadas por casas de dois andares, típicas da arquitetura rural italiana, que variam do ocre ao laranja. Há grandes empresas, multinacionais, mas não desapareceu o espaço para pequenos produtores que reproduzem o saber milenar, ainda de forma artesanal. Com seu ar provinciano, Parma é a capital do vale (Bolonha é a da Emilia Romagna) e conserva a quintessência da cultura gastronômica em pequenos restaurantes, lojas gourmet e enotecas.
Na disputa regional que os italianos travam sobre quem tem a melhor mesa, a Emilia Romagna ocupa um lugar respeitável. Berço da gastronomia da "Bota", de lá vêm alguns ingredientes que fazem a Itália celebrada: o presunto de Parma, o "culatello", o queijo parmigiano reggiano e o aceto balsâmico tradicional de Modena. Há também quem ache que tudo isso se harmoniza com Lambrusco, o vinho local, adocicado e frisante, que é campeão de vendas em muitos países, inclusive Brasil, onde se comercializam os mais baratos. Mas o Lambrusco, mesmo o melhor, é polêmico.
Regras rigorosas da União Europeia normatizam a fabricação desses produtos com Denominação de Origem Protegida (DOP), que só podem usar esse nome quando produzidos na área geográfica demarcada. Isso não impede que muitos tenham se propagado pelas levas de imigrantes que ganharam o mundo a partir do século XIX. Foi por intermédio deles, e de imitações locais, que os brasileiros conheceram o parmesão e o presunto cru "de Parma".
Não é em qualquer lugar que as vacas leiteiras são mimadas com música erudita no estábulo para combater o estresse. Pois essa é uma das técnicas utilizadas nos arredores de Parma para obter uma melhor qualidade de leite para a produção do Parmigiano Reggiano. Com uma receita desenvolvida por monges beneditinos, o queijo é feito na região desde a Idade Média e, com poucas alterações, segue como produto artesanal. Ao acompanhar sua elaboração, dá para entender por que custa tão caro.
Dezesseis litros de leite são precisos para fazer 1 kg de queijo. Apesar dos equipamentos atuais, grande parte do processo é manual e o investimento para maturação, alto. O envelhecimento pode durar 24 meses ou mais. Na câmara de maturação do Caseificio La Traversetolese, por exemplo, onde as formas ficam numa temperatura de 160 C e são escovadas todos os dias para não criar mofo, há um patrimônio de € 8 milhões em queijos.
Os cuidados com o presunto de Parma também começam no campo, com a alimentação dos porcos. Ao entrar no frigorífico, as peças selecionadas são massageadas com sal para retirar eventuais coágulos e tornar a carne macia. Depois da passagem por várias câmeras frigoríficas, com umidade controlada, o processo de cura demora no mínimo um ano. Mas a grande sensação regional é o "culatello", um parente nobre do presunto, feito da melhor parte do pernil. É uma fração sem osso, extremamente tenra, pouco conhecida no Brasil, que é servida em fatias finíssimas.
Verdadeira iguaria, o "culatello di Zibello" só pode ser produzido em comunidades às margens do rio Pó. Há apenas 12 produtores credenciados e um deles são os irmãos Massimo e Luciano Spigarolli. Eles maturam as peças na Antica Corte Pallavicina, um castelo transformado em Relais & Châteaux. Na cave onde é feito o envelhecimento, há "culatellos" reservados para os chefs Alain Ducasse e Massimo Bottura, para o restaurante francês Troisgros e até para o príncipe Albert de Mônaco. Cada peça tem particularidades e tempo maior ou menor de cura, diz Luciano. O preço, porém, é salgado. Começa em € 60, mas pode chegar a € 130 o quilo, quando produzido com porco preto. Em São Paulo, há "culatello" à venda na Casa Santa Luzia por R$ 530 o quilo.
Outro produto regional, o vinagre balsâmico ou aceto de Modena também não chega ao Brasil na sua melhor versão. O que conhecemos por esse nome é um vinagre industrial, produzido em Modena. O verdadeiro é um produto artesanal, feito com o mosto da uva "trebbiano", típica da região e que mesmo lá era tão valorizado que, no passado, servia como presente em casamentos ou nascimentos. Nas "acetaias", esse aristocrata dos vinagres envelhece em barris de vários tipos de madeira (especialmente cerejeira ou carvalho) para agregar aromas diferentes. Os vidros seguem formatos específicos, que indicam o tempo de envelhecimento. O preço alcança valores exorbitantes - a garrafa de 100ml do "extravecchio" produzido pela Villa San Donnino e envelhecido 25 anos custa € 85.
Em Parma, a todos esses ingredientes se soma a presença da Barilla, que além de ter ali a maior fábrica de massa do mundo, criou um centro para difusão da gastronomia italiana com cursos e uma biblioteca com 8.000 livros e cerca de 3 milhões de receitas. Esse complexo não é só dedicado à arte da comida. Inclui um hotel e uma sala de concertos, que foram redesenhados nas antigas instalações da fábrica, num projeto do arquiteto Renzo Piano.
Além da mesa, outro motivo que leva turistas a Parma é a música. Foi em suas imediações que nasceu o compositor Giuseppe Verdi (1813-1901). Por conta disso, a tradição da ópera, dos concertos e até de espetáculos de jazz em castelos, segue viva. O bom é que, em nome de Verdi, música e comida se misturam. Vários livros foram editados sobre as receitas, os aromas preferidos e os saberes culinários do compositor. Consta que ele era aficionado pelo "culatello" e sua casa, um verdadeiro laboratório de alta alquimia pantagruélica.
A jornalista viajou a convite da Barilla e da Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio, Indústria e Agricultura


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