segunda-feira, 19 de maio de 2014

Desafios no marketing: por que é importante compreender as culturas do consumo de café?


Por Paulo Henrique Leme
postado em 16/05/2014

No artigo “A hora e a vez do marketing do café” (publicado no CaféPoint) ressaltamos a importância de revolucionar o marketing dos Cafés do Brasil, dentro e fora do País. Para podermos iniciar esta verdadeira reviravolta, faz-se necessário compreender alguns aspectos importantes ligados ao comportamento dos consumidores de café.

Na área de comportamento do consumidor de café, são três tendências muito fortes e muito conectadas: a cultura do consumo de café, o consumidor e seus desejos, e a conexão com a origem, com o produtor. Neste texto abordaremos os aspectos relacionados à cultura do consumo de café.

Dentro da grande área do marketing, e mais especificamente na área de comportamento do consumidor, os estudos da cultura do consumo vêm ganhando grande ênfase. O interessante desta linha de pesquisa está na visão interdisciplinar da complexidade cultural que envolve o consumo, especialmente os aspectos socioculturais, experienciais, simbólicos e ideológicos.

Foto: Érico Hiller/ Café Editora
Foto: Érico Hiller/ Café Editora
Todos eles envolvem o consumo de café de alguma maneira. A mais vibrante face desta tendência está nas cafeterias. A belíssima capa da edição número 43 da Revista Espresso traz a seguinte chamada: “Café sem pressa – cafeterias se tornam refúgios, com conforto, diversos preparos e serviço de alto nível”. E isto meus amigos, é no Brasil. Claro que esta tendência se repete nos mercados tradicionais (EUA, Europa e Japão), mas também começa a crescer em países produtores e mercados emergentes como a Índia, Austrália, China e Coréia do Sul (todos na Ásia).

E como podemos explicar essa expansão? Um de seus pilares foi o surgimento de uma cultura de consumo de cafés especiais na costa oeste dos EUA nos anos 1980, simbolizada, mas não em exclusividade, pela cafeteria Starbucks. Os americanos, ávidos consumidores de café ruim, passaram a se deparar com ambientes aconchegantes, onde poderiam conviver (vivendo) com seus colegas e familiares, fora de casa e fora do trabalho, conhecendo pela experiência da degustação cafés preparados de forma especial (não necessariamente especiais em qualidade da bebida). O interessante é que a inspiração destes espaços vinha justamente dos cafés europeus, principalmente italianos. Berços da modernidade. O resto da história todos conhecem, a Starbucks, a mais conhecida destas cafeterias, se tornou um ícone das redes de alimentação fora do lar, expandindo suas lojas de café para quase todos os continentes. Como podemos notar pela capa da Revista Espresso, estes locais também são sucesso no Brasil.

Mas o que é a cultura do consumo? Podemos dizer que é a soma total das crenças, valores e costumes aprendidos que servem para direcionar o comportamento de consumo dos membros de determinada sociedade. Ótimo. Então a cultura do consumo tem em seus fundamentos os valores e práticas de determinado grupo social. E aglobalização explica muito da disseminação de valores e práticas da cultura do consumo de café nos EUA e Europa para o resto do mundo. São as aspirações dos valores da cultura ocidental que movem os jovens asiáticos para conhecer os hábitos e práticas do ato de consumir café. É a ascensão de uma nova classe média global que leva novos consumidores a estes ambientes de socialização e onde, por acaso (ou não), o café é o eixo central.

Estes ambientes devem ter em sua essência um papel educador. Escolas? Sim, escolas para o aprendizado da cultura do consumo de café. Os professores são osbaristas, embaixadores do café, e mesmo outros consumidores já iniciados nestes hábitos e técnicas de consumo e convivência social. Os estudos em cultura do consumo tem como pressuposto que a cultura é algo dinâmico, está sempre em construção. E para modificar hábitos e intenções de compra de produtos com alto valor agregado, a essência da mudança está em informação de qualidade.

O aprendizado de novos hábitos de consumo é um processo também dinâmico. Se o consumidor não tem experiência, mas tem um alto nível de interesse em um produto - como no caso do café especial – ele irá buscar informações para melhorar sua tomada de decisão. A pergunta então seria: será que o consumidor brasileiro de cafés especiais tem hoje informações suficientes para sua tomada de decisão? Ou será que as embalagens de café (veículos de comunicação) não são mais do mesmo? E os outros esforços de comunicação?

É este interesse pelo novo - despertado por um estímulo como uma bela campanha de propaganda com um famoso ator - que faz com mais e mais consumidores busquem a sofisticação e a conveniência das máquinas domésticas (monodoses). Elas modificam, criam um novo hábito, um novo momento de socialização com amigos e familiares. Assim nasce uma nova cultura de consumo. É o desejo do consumidor atendido. Neste espaço de socialização ele irá consumir marcas, origens e cápsulas ou sachês que sejam relevantes e que afirmem suas escolhas. Sua decisão de compra deve ser justificada e reforçada a cada novo espresso.

Mas a cultura do consumo de café não se restringe apenas aos estudos de consumo em cafeterias e dentro do lar, pelo contrário, sua vertente mais forte está justamente no consumo do dia a dia. É o consumo no café da manhã, com a família, é o cheirinho de café que invade a casa. Lembra a infância. Lembra o carinho da mãe e da avó. Pergunte em Minas Gerais quem não conhece o cheirinho de café somado ao aroma de um pão de queijo. É muito marcante e fica na memória sensorial das pessoas.

Esta memória pode ser despertada com uma propaganda, ou mesmo com a prova de café em um supermercado. Pode ser despertada no escritório, na animada hora do café. O café é uma válvula de escape para rotina. A questão é que nesta memória também pode estar aquele famoso café ruim com excesso de açúcar. Aí é o desafio. Modificar ou tentar associar esta memória sensorial ao consumo de café de qualidade. E claro, não podemos deixar de lado a cultura do consumo de café no balcão das padarias. O pingado com pão na chapa. Retrato da cultura brasileira em várias regiões.

Para finalizar, com a compreensão da cultura do consumo do café, ou melhor, de sua dinâmica e construção, os profissionais de marketing do café podem reestruturar campanhas de comunicação para provocar estímulos que modifiquem as práticas de consumo. Podem criar e incentivar comunidades de prática (como os clubes, reais ou virtuais), onde as trocas de informação e as referências de especialistas e consumidores podem ajudar a modificar valores e hábitos de consumo. Com certeza, esta faceta dos estudos de consumo é muito interessante, e ainda é pouco estudada no Brasil. Talvez pelo conforto de saber que todo brasileiro gosta de café. Mas de que tipo de café ele gosta?

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