sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Quando a Otan deixar o Afeganistão

A possível assinatura do Acordo Bilateral de Segurança com os Estados Unidos divide profundamente 
os 30 milhões de habitantes do Afeganistão, pois permitiria que 15 mil soldados norte-americanos
permanecessem neste país, mesmo depois da retirada das forças da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (Otan) em 2014

GIULIANO BATTISTON
Uma movimentada rua de Jalalabad, Afeganistão
Para alguns, é importante para a estabilidade do Afeganistão o presidente Hamid Karzai assinar o acordo, mas outras vozes alertam que poderia gerar mais problemas com os insurgentes. E há quem afirme que provocaria a ira de vizinhos como Paquistão e Irã.
“Somos um país fraco militar, econômica e politicamente. Por isso precisamos do acordo. Temos que tomar uma decisão muito pragmática: aceitar os norte-americanos aqui ou enfrentar um futuro muito incerto sem nenhum país disposto a nos ajudar”, disse à IPS o empresário Hedayatullah Amam.
Os Estados Unidos querem assinar o tratado o mais rápido possível, mas Karzai prefere esperar até as próximas eleições presidenciais de abril de 2014. Porém, muitos acreditam que não se trata mais do que uma pose demagógica. “Karzai assinará o convênio”, disse Amam, enquanto viajava em um táxi compartilhado de Cabul a Jalalabad, cerca de 150 quilômetros a leste da capital. “Este é um jogo político para se apresentar como o homem que protege a soberania nacional. Mas isso acabará logo. Minha previsão é que aprovará o acordo em um mês, dois, no máximo”, assegurou.
Depois que o movimento extremista Talibã foi desalojado de Cabul em 2001, a Força Internacional de Assistência para a Segurança (Isaf), da Otan, recebeu o mandato do Conselho de Segurança da ONU de intervir em território afegão, combater a insurgência e apoiar o desenvolvimento de novas forças de segurança nacionais.
O acordo com os Estados Unidos que tem apoio da Loya Jirga, uma assembleia consultiva de anciãos e representantes de 34 províncias, prevê que as tropas norte-americanas permaneçam no Afeganistão depois de concluída a missão da Isaf, no final de 2014, e que utilizem ao menos nove instalações militares, entre elas a estratégica base aérea de Bagram, nos arredores de Cabul.
“Os Estados Unidos são o país mais forte do mundo”, segundo Asadullah Larawi, empregado do Centro de Desenvolvimento da Sociedade Civil, uma organização afegã que promove a paz e os direitos humanos. “A associação com Washington evitaria a interferência de nossos vizinhos. Nosso governo deve fazê-los entender que as bases não são um perigo para eles”, disse Larawi à IPS.
Segundo a Otan, há 84 mil soldados estrangeiros no Afeganistão, 60 mil dos Estados Unidos. Se o acordo for aprovado, entre oito mil e 15 mil desses efetivos poderão permanecer após 2014.
As forças de segurança do Afeganistão são relativamente novas, criadas em 2002. O exército tem 200 mil soldados e a força aérea cerca de 6.800. A polícia nacional afegã conta com 50.500 efetivos, enquanto os distritos estão a cargo de 24.200 agentes locais.
Karzai está sob crescente pressão desde que, inesperadamente, decidiu adiar a aprovação do acordo. No dia 3, no início de uma reunião de chanceleres da Otan em Bruxelas, seu secretário-geral, Anders Fogh Rasmussen, deixou claro que o compromisso dessa aliança militar cessará se não for aprovado o acordo entre Estados Unidos e Afeganistão.
“Sem a assinatura do acordo estarão em perigo as promessas de assistência da Otan e de outras nações, feitas em 2012 nas conferências de Chicago e Tóquio”, afirmou a Casa Branca após a visita a Cabul da conselheira de Segurança Nacional, Susan Rice, no dia 25 de novembro.
Em julho de 2012, na capital japonesa, os doadores internacionais se comprometeram a conceder ao Afeganistão US$ 16 bilhões em ajuda civil durante quatro anos. A mensagem dos Estados Unidos foi inequívoca, acredita Kate Clark, pesquisadora da Rede de Analistas do Afeganistão, com sede em Cabul.
“Assine logo ou se arrisque à ‘opção zero’, o que, segundo o comunicado, inclui zero tropas norte-americanas, zero tropas da Otan, zero apoio às forças de segurança afegãs e o desaparecimento de milhares de milhões em ajuda, não só para os salários da polícia e do exército, mas também para a assistência civil prometida no Japão”, afirmou Clark.
Porém, muitos afegãos pensam que o acordo minará a frágil soberania do Afeganistão. “Países como Irã e Paquistão podem criar facilmente problemas maiores do que os atuais. A Rússia também”, afirmou Naqibullah Saqib, diretor da Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Nangarhar, na província de mesmo nome fronteiriça com o Paquistão.
Os temores são infundados. O presidente do Irã, Hassan Rouhani, disse recentemente que seu país se opõe à presença de forças estrangeiras no Afeganistão. Para Baz Mohammad Abid, conhecido jornalista afegão que trabalha na Rádio Mashaal, a filial local da Rádio Europa Livre, a presença das bases militares norte-americanas terá um impacto adverso.
“Gostemos, ou não, os norte-americanos manterão alguma bases. Apesar da reticência de Karzai em assinar, basicamente o governo afegão já o acordou”, disse Abid à IPS. “Porém, o acordo será prejudicial porque irritará demasiadamente nossos vizinhos, que tentarão expulsar os norte-americanos da região, armando grupos insurgentes. Creio que não devem ficar”, acrescentou.
Há quem diga que a presença de tropas estrangeiras não impediu que os países vizinhos interferissem nos assuntos afegãos. “Quem pode dizer que as bases militares norte-americanas dissuadirão os vizinhos? Há muitos exércitos estrangeiros no Afeganistão hoje em dia, mas continua existindo muita interferência” da região, segundo Wahidullah Danish, do Centro de Desenvolvimento da Sociedade Civil.
“As bases militares norte-americanas são inaceitáveis para nossos vizinhos e para os insurgentes, que poderiam inclusive desatar nova jihad (guerra santa) contra os estrangeiros. Em lugar de abrigar as bases norte-americanas, devemos fortalecer nosso próprio exército com mais armas e treinamento”, afirmou Danish.

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