quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O Brasil que a mídia oculta também é árabe


Uma rica mistura de povos, com seus matizes, costumes e tradições, compõe a complexa sociedade brasileira. Os árabes estão aí inseridos. Vindos em distintos períodos, provenientes de várias cidades e regiões, por razões econômicas, pela guerra ou ocupação de terras, esses imigrantes vêm dando sua contribuição desde que chegaram. Sua influência está viva na língua e literatura, nas ciências, na arquitetura, na gastronomia, nas técnicas construtivas e agrícolas, na música, no samba. Segundo escreve o professor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) Oswaldo Truzzi, em artigo intitulado “Verde, amarelo, azul e mouro”, publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional (edição de julho de 2009), “até mesmo o bom costume da limpeza pessoal, que muitos atribuem somente aos indígenas, deve um tributo aos árabes”. Hábito que teria sido importado em especial dos muçulmanos, cujas abluções são parte do ritual preparatório às orações.
Em sua complexidade, essa forte influência cultural, contudo, ainda é desconhecida da maioria. A grande mídia brasileira tem tido importante papel na negação dessa parte da “identidade nacional”, ao retratar os árabes de forma caricatural. Também na Revista de História da Biblioteca Nacional, em outro artigo (“Toda forma de fé”), o professor de Antropologia da UFF (Universidade Federal Fluminense) e coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Oriente Médio dessa instituição, Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto, desmonta uma das confusões frequentes nas notícias sobre tais povos e que contribuem a essa representação: a de que todos seriam muçulmanos. Como aponta ele em seu texto, é um equívoco recorrente. “Os povos do Oriente Médio ostentam uma enorme diversidade de tradições e crenças cristãs, muçulmanas e judaicas. Os milhares de sírios, libaneses e palestinos que desembarcaram no País entre o fim do século XIX e as primeiras décadas do XX contribuíram para ampliar a pluralidade religiosa na sociedade brasileira”, enfatiza.
A distorção de que se trata de uma massa homogênea, muito utilizada pela grande mídia, serve para alimentar estereótipos como o do homem violento e da mulher submissa – como se essa fosse a regra entre os seguidores do Islã, o que nem de longe é verdade. Para difundi-los e garantir que prevaleçam, é constante a desumanização dos árabes. São representados como um bando sem nome, sem lei, sem rei, sem alma. A visão orientalista, denunciada pelo intelectual palestino Edward Said em sua obra “Orientalismo”, predomina, ocultando o legado dessa cultura milenar ao Brasil, em particular, e ao mundo.
Democratizar a comunicação
O discurso único que prevalece na grande mídia brasileira não encontra contraponto à altura, dada a concentração que caracteriza o setor: são apenas seis famílias a controlar os principais meios de comunicação, sem quaisquer regras. Sua vulnerabilidade começa, contudo, a ser evidenciada, com a expansão da Internet e o cenário de convergência digital que se consolida. O risco é que suas garras se estendam também para esses espaços e que seu poder novamente impeça a diversificação de conteúdo.
Nesse sentido, a Conferência Nacional de Comunicação, a se realizar entre 14 e 17 de dezembro próximo em Brasília, se coloca como uma janela de oportunidades. Pela primeira vez, a reivindicação histórica dos militantes por uma mídia plural, livre e democrática – que dê conta da diversidade peculiar à sociedade brasileira – se reflete em uma construção coletiva capaz de pautar esse debate e dar o impulso necessário a que as propostas ali apresentadas sedimentem o caminho à mudança do modelo atual.
Um dos resultados esperados é a alteração nas representações feitas pela mídia e, consequentemente, na forma como os diversos povos são vistos pela grande massa de brasileiros. Os quais, vale destacar, além da origem indígena, portuguesa, negra, são também um pouco árabes. Do cafezinho ao pandeiro e cavaquinho, não há como negar essa influência.

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