quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Educação em guerra


O estado do Rio, assim como São Paulo, desenterrou leis de segurança nacional da ditadura para tratar estudantes e professores como prototerroristas

Vladimir Safatle

Vladimir Safatle

“Mais escolas, menos estádios.” Esta foi uma das frases mais ouvidas nas manifestações de junho. Ela indicava a consciência clara de que as prioridades de desenvolvimento estavam completamente invertidas. Mais do que isso. Que esta frase tenha sido enunciada em um contexto de revolta, eis algo a demonstrar como a população esperava mais ações e menos retórica em relação à educação. Pois esse é um tópico pitoresco da política brasileira. Não há partido ou programa que coloque a educação como a “mais prioritária das prioridades”. No entanto, vivemos atualmente um vácuo completo de propostas públicas educacionais.
Alguém poderia acreditar ser isso o resultado de conflitos intermináveis a respeito do que devemos fazer. Ledo engano. Afora alguns liberais completamente desconectados da realidade concreta das escolas, o prognóstico sobre o que deve ser feito é consensual em relação aos profissionais da educação. Ele passa pela valorização da carreira de professor a fim de atrair nossos melhores alunos para o magistério. Ela contempla também a implementação de escolas integrais e de inspetorias federais para garantir a qualidade do ensino. Não se faz nada nesse sentido porque a realização desses pontos é cara. Mas a ignorância é mais cara ainda.
Bem, o que vemos então depois de junho? Milhares de professores no Rio de Janeiro a se voltar contra um plano de carreira que, se implementado, destruiria de vez as profissões do magistério. Só mesmo alguém que nunca pisou em uma sala de aula pode apresentar à sociedade um plano como esse. Ele cria uma situação de não garantia para professores se fixarem em suas matérias específicas, o que tem um impacto decisivo na qualidade, tão debilitada, do ensino. Seu privilégio aos profissionais com dedicação de 40 horas semanais não garante que, dentro desse período, o número real de horas-aula necessárias para a pesquisa, para a preparação de aula, correção de trabalhos e outras atividades fundamentais à docência será respeitado. Ao contrário, vemos atualmente vários Estados à procura de meios para burlar o período computado fora da sala de aula, mas que faz parte do trabalho de todo e qualquer professor.
Em vez de discutir os problemas do plano em questão, o estado do Rio, assim como São Paulo, partiu para a criminalização brutal de manifestantes. Leis de segurança nacional da época da ditadura foram desenterradas para tratar estudantes e professores como prototerroristas. Setores da opinião pública conservadora recuperaram o velho mantra do corporativismo dos professores, mostrando que, no fundo, temem ver o Estado gastar o necessário com educação, em lugar de subsidiar empreiteiras e empresários com negócios da China. Ou seja, sempre vemos a mesma estratégia: quando as demandas da educação pública são colocadas na mesa, tudo o que ouvimos é a desqualificação das exigências dos professores. Talvez isso explique um pouco a razão pela qual nossa qualidade de ensino continue problemática.
Alguns desses “formadores” da opinião pública que se insurgem contra os professores gostam de falar sobre o salto educacional da Coreia ou da qualidade das escolas da Finlândia. Perguntem então quantas horas em sala de aula passam os professores finlandeses e qual o salário de um professor coreano. É algo em torno de 4 mil dólares.
É sintomático que o oferecido pelos governos para uma das pautas mais citadas das manifestações de junho seja algo para conseguir apenas acirrar os ânimos dos profissionais da educação. Isso demonstra claramente como o poder público continua a governar de costas para aqueles que têm o verdadeiro diagnóstico das situações e das dificuldades em nossas escolas. Na última greve de professores universitários, a mesma estratégia foi colocada em circulação. Tivemos de ouvir que professores seriam a “classe abastada” do serviço público. Esta é a única frase que o poder público tem a dizer quando confrontado com a inanição de suas políticas de educação.
Vladimir Safatle é professor de Filosofia da USP e colunista da Folha de S. Paulo.

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