quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A primeira vida de Hugo Chávez


As mais de 700 páginas do livro de Ignácio Ramonet são lidas com muito interesse, pela trajetória de Hugo Chavez e pela sua imensa sensibilidade política.

por Emir Sader em 31/10/2013 às 13:46




Emir Sader
Quando Ignacio Ramonet anunciou que havia começado a fazer um livro de entrevistas, as comparações não poderiam deixar de ser feitas com o excelente livro de entrevistas com o Fidel. Este resume toda a trajetória do líder cubano, pouco antes que ele se retirasse da vida política ativa, que ao mesmo tempo era uma viagem por todos os grandes acontecimentos vividos por Fidel.

O primeiro sentimento em relação ao livro com Hugo Chavez era de que “era demasiado cedo”, ele não teria vivido ainda um período suficientemente longo de tempo, além de que se suporia que viveria um período longo, incluindo acontecimentos de grande transcendência.

A doença e a morte do líder venezuelano fizeram com que a preocupação de que seria “demasiado cedo”, terminasse tendo outro sentido. O livro foi feito “demasiadamente tarde”, pela curta trajetória que terminou tendo Hugo Chavez, a ponto de que um alentado volume de 700 paginas tenha permitido apenas o relato da sua “primeira vida”- como diz o titulo do livro -, que vai apenas até a primeira vitória eleitoral de Hugo Chavez.

Apesar dessa limitação, se lê o livro com grande interesse  e com o indisfarçável sentimento de tristeza, pela perda prematura de um líder de tal envergadura. As entrevistas permitem um retrato humano de Hugo Chavez, desde sua primeira infância, de menino pobre do interior de um país do continente, que vendia doces preparados pela sua avó pelas ruas da sua cidade. 

Um menino predestinado – o que às vezes ele aceita, outras nega– pela época que lhe correspondeu viver – ele diz que “a história o absorveu”, com um caráter rebelde desde cedo, indignado pelas injustiças e pelos atos de prepotência que pôde presenciar. Lider na escola, nos jogos de beisebol, nos grupos de rua, precocemente grande leitor de literatura clássica, assim como de revistas e de almanaques, que lhe ensinavam as primeiras coisas sobre o mundo.

Um menino que pôde conviver com familiares envolvidos em epopeias históricas, em um tempo de grandes instabilidades e turbulências na Venezuela. Por esse meio – além das historias da avó, do cinema e das ruas -, ele foi se formando como ser humano, empapado pela historia da Venezuela e da América Latina. Ia se gestando ali um grande líder, das entranhas mesmas do povo venezuelano. “Eu me fui aproximando, por distintas vias, a esse rio que é a história“.

A carreira militar foi quase um caminho natural para aquele jovem rebelde, identificado com os grandes heróis nacionais venezuelanos, antes de tudo com Bolivar. Um jovem de origem popular, descendente de índios, negros e espanhóis, diante de uma das elites as corruptas do continente.

A segunda parte do livro já faz parte da historia contemporânea da Venezuela: a segunda eleição de Carlos Andres Peres, o pacote neoliberal e a reação popular chamada de “caracazo”, a primeira tentativa de sublevação militar dirigia por Hugo Chavez, o fracasso militar e a vitória politica, a prisão, a anistia, a viagem pela América Latina, o primeiro encontro com Fidel. A dura campanha para convencer a seus companheiros que valia a pena optar naquele momento pela via institucional, apresentando seu nome como candidato a presidente, a campanha e a vitória. Se vale de frases como “Os únicos que pensam que a perfeição é possível na política, são os fanáticos.”

Aí começava outra vida, a do grande estadista, dirigente latino-americano, que não chegou a ser abordada pelo livro. Suas mais de 700 páginas são lidas com muito interesse, pela trajetória de Hugo Chavez e pela sua imensa sensibilidade política. Mas também com grande tristeza, porque aumenta o sentimento de perda que sua morte deixou a todos – venezuelanos, latino-americanos, povos do mundo.

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