segunda-feira, 29 de julho de 2013

Você já foi desapropriado? Foi feliz?

Neste processo, muitas vezes, pessoas perdem suas casas e não conseguem refazer suas vidas, pois o valor das indenizações é baixo

Raquel Rolnik

O Brasil bombando e… muita gente sofrendo com desapropriações por conta de novas obras! Por outro lado, desapropriações historicamente são um bom negócio para poucos proprietários, que conseguem influenciar a localização de projetos públicos e se dão bem vendendo a preços altos suas terras… Neste processo, muitas vezes, pessoas perdem suas casas e não conseguem refazer suas vidas, pois o valor das indenizações é baixo.
É o caso principalmente de famílias que moram em comunidades ou loteamentos irregulares ou que por algum motivo não possuem escritura da terra registrada em cartório. Para estas famílias, as remoções têm representado uma piora de sua condição de moradia. Esta foi, inclusive, uma das pautas que apareceram nas manifestações de junho que tomaram conta de diversas cidades do país. A resposta do governo federal a essa questão foi a publicação de uma portaria, no dia 18 de julho, que regula as remoções decorrentes de obras financiadas pelo Ministério das Cidades.
Se, por um lado, é muito bem-vinda uma portaria que regula a questão das remoções, por outro, esta tem muitas limitações. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que ela trata apenas de projetos financiados pelo Ministério das Cidades, no âmbito do PAC, quando são muitos os órgãos e instituições do governo federal que vêm financiando projetos e programas em todo o país que estão desalojando pessoas.
Em segundo lugar, é necessário reconhecer que é muito positiva a exigência colocada pela portaria de elaboração de um Plano de Reassentamento como parte dos próprios projetos, discutido previamente com os atingidos. Sabe-se lá se essa participação será efetiva, já que a portaria não diz como isso será feito, mas, em princípio, temos aqui um avanço em relação ao que tem acontecido hoje: as comunidades não tomam conhecimento dos projetos, não são chamadas a discuti-los nem a apresentar propostas, já que não existem canais de diálogo. É positivo também que a portaria não permita que os projetos tenham suas contas fechadas sem que o Plano de Reassentamento esteja concluído. Hoje, o mais comum é a obra ser inaugurada e as pessoas continuarem esperando as casas prometidas, com bolsa-aluguel, moradia provisória ou, às vezes, sem nada…
A questão fundamental, no entanto, a portaria não resolve: diz que quem não possui escritura da terra registrada em cartório não tem direito a receber indenização pela terra, o que é um completo absurdo. A própria legislação brasileira reconhece o direito de posse da terra em várias situações, como quando o suposto proprietário a abandona, e as famílias – sem outra moradia ou propriedade – já estão estabelecidas no local por um determinado período. Além de contrariar a própria legislação brasileira, este ponto fará com que a condição das famílias atingidas continue piorando…
Enfim, esta portaria é um passo para avançarmos no problema das remoções forçadas no Brasil, mas ainda está longe de enfrentar seriamente a questão e resolvê-la.
Raquel é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.

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