quinta-feira, 30 de maio de 2013

O surgimento de uma nova conjuntura latino-americana

Hoje a América Latina tem uma conjuntura determinada por dois quadros globais extremamente complexos: o geoeconômico e o geopolítico. A melhor forma para compreender a atual realidade latino-americana é por meio da análise de fora para dentro, ou seja, dos movimentos ao redor do mundo que impõe condições supremas para as dinâmicas econômicas e sociais nossa região.

Jason Tadeu Borba

A geopolítica mundial acontece dentro de um grande jogo em torno da disputa pela hegemonia no mercado global. Com o fim da Guerra Fria, terminou a ordem bipolar entre Estados Unidos e União Soviética. Surgiu uma nova ordem, em que os estadunidenses emergiram como superpotência.
Após 1998, como contraponto, se formou um arco de alianças estratégicas entre Paris-Berlim-Moscou, que se tornou mais firme ao longo de sucessivos testes, como os ataques terroristas de 2001, a invasão do Afeganistão e do Iraque, a tensão dos Estados Unidos com a Coréia do Norte e Irã. Depois disso, esse eixo deu sinais sólidos de que se constituiu num verdadeiro eixo eurasiano, uma união entre partes da Europa e Ásia, especialmente ao incorporar a China.
A disputa se acirrou de tal modo que expressões como "Nova Guerra Fria" já fazem parte dos pronunciamentos dos "falcões" estadunidenses. O conflito entre os dois arcos de alianças delimita com clareza crescente os dois campos. A China decidiu se alinhar estrategicamente ao lado da França, Alemanha e Rússia. Já o Japão vem fazendo movimentos no sentido de uma aliança com o outro bloco, liderado por Estados Unidos e Inglaterra.
O jogo chegou, finalmente, no continente latino-americano. Tanto na América Central como na América do Sul, a movimentação geopolítica por parte dos Estados nacionais se tornou vertiginosa e temos um xadrez geopolítico, com a disputa por áreas de influência econômica e militar nesta região.
Os aliados de cada lado
Os Estados Unidos contam fielmente com Colômbia, Chile, Paraguai e, talvez, Peru. Por outro lado, o eixo eurasiano está com Venezuela e Bolívia. No entanto, quem vai decidir para onde caminhará a América Latina é o Brasil, que tem uma linha de política externa incerta. De um lado, age com agressividade política e econômica. Do ponto de vista financeiro, no entanto, o Brasil tem uma vinculação absoluta aos blocos de capital e esferas decisivas que estão sob controle dos Estados Unidos.
As indefinições e incertezas que nossos aliados têm em relação às posturas da política externa do Brasil, surgem de questões estruturais. Isso porque o país apresenta uma economia periférica industrializada, com um estágio de desenvolvimento que confere o papel de liderança da região.
Os interesses objetivos do Brasil tanto na região, como em termos globais, apontam para uma colisão com o conjunto das economias centrais, uma linha de tensão quase explosiva com os Estados Unidos. As tensões estratégicas brasileiras que se multiplicam a cada matéria a ser negociada com a União Européia e com os estadunidenses já atingiram um nível de saturação quase terminal.
Temos também um recrudescimento, em toda área latino-americana, do nacionalismo institucional, por meio da retomada do desenvolvimentismo e protecionismo econômico. As geopolíticas de Estado tendem a se tornar mais nacionalistas e protecionistas, determinadas pelo imperativo da sobrevivência do Estado nacional e das relações sociais de produção capitalistas.
Nesse contexto, dois campos vão se delimitando: um pró-Estados Unidos e um pró-Eixo Eurasiano. Não demorará muito para que essa confrontação explícita ganhe as grandes massas (já percebemos um sentimento anti-estadunidense que se tornou quase consensual nos movimentos sociais).
Exclusão
Passamos por um indiscutível processo global de exclusão econômica que atinge países e, dentro de cada um deles, massas crescentes. Movimentos sociais já instalados tendem cada vez mais a se radicalizarem, assim como temos espaço para a emergência de novas organizações, principalmente urbanas. Vemos surgir nas classes médias movimentos poderosos pró-estadunidenses.
Nas massas mais despossuídas do campesinato, do semi-proletariado rural e urbano, do proletariado do campo e das grandes cidades, temos uma intensa luta contra os Estados Unidos. No entanto, a questão só se resolve a partir do surgimento de movimentos sociais da mesma espécie dos brasileiros, onde massa e maturidade social se combinam, para que essas organizações tendam a se constituir de modo determinante, não só para o jogo de poder nacional, mas para todo o continente.
O antiimperialismo deve deixar de ser um tradicional consenso para movimentos populares amplos e se multiplicar em vários "antiimperialismos" e até vários "anticapitalismos" nas suas bandeiras. O futuro próximo aponta para delimitações e distinções crescentes. Trata-se de uma politização mais rente às bases econômicas e sociais distintas de cada movimento social.
sociedade brasileira, tanto no campo como nas cidades, é de longe a mais complexa da América Latina. Classes e frações de classe, bem demarcadas no contexto nacional, fazem com que um processo complexo de politização seja maior, conforme o impacto da sucessão das crises.
A conclusão geral é que os cenários estão abertos, assim como o ritmo do amadurecimento dessa politização urbana também está em aberto. A emergência política para breve dos movimentos sociais, que não se dará necessariamente ou exclusivamente nos cânones institucionais. Esse será o elemento novo na política nacional, assim como para a emergência de uma geopolítica alternativa, com base na auto-organização das massas proletárias e camponesas para a América Latina.
Jason Tadeu Borba é professor do departamento de Economia da Faculdade de Economia e Administração da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)

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