quarta-feira, 29 de maio de 2013

A melhora nos indicadores sociais da América Latina


A América Latina registrou avanços sociais significativos e disseminados nos últimos dez anos. Tanto em termos de redução da secular desigualdade, quanto de diminuição da pobreza, de progressos na educação e na saúde e de aquecimento do mercado de trabalho, o que se viu da fronteira norte do México até a Terra do Fogo foi uma onda de melhora nas condições de vida da maioria da população. Na esteira desse movimento, emergiu na maior parte dos países latino-americanos e caribenhos uma nova classe média de base popular, que está transformando de forma profunda as relações sociais, econômicas e políticas da região.

Carta Do IBRE
No Brasil, e provavelmente em outros países latino-americanos, há a sensação de que essa melhora é um fenômeno fundamentalmente nacional, ligado a determinadas escolhas políticas e econômicas. Um rápido sobrevoo no continente, porém, revela que os avanços sociais ocorreram em países com regimes econômicos e políticos bastante diferenciados, o que exclui de antemão qualquer tentativa muito simplista de explicá-los.
 
A desigualdade, por exemplo, caiu de forma incisiva nos principais países latino-americanos. De 2000 a 2010, o índice de Gini da Argentina recuou de 0,504 para 0,458; o do Chile de 0,552 para 0,521; o da Colômbia de 0,572 para 0,560; o do México de 0,556 para 0,517; o da Venezuela de 0,458 para 0,390; e o do Brasil de 0,587 para 0,519. (1)
 
Esses números indicam que, apesar do movimento positivo generalizado, o ritmo foi diferente entre os países. E, de fato, é preciso analisar com cuidado caso a caso para entender as peculiaridades de cada uma dessas melhoras.
 
No caso argentino, a desigualdade havia subido muito no início da década passada, em razão da gravíssima crise econômica que culminou no fim da paridade cambial e no calote da dívida na virada de 2001 para 2002. Em 1990, o Gini argentino era de 0,444, o que indica que a melhora até 2010 foi, de certa forma, uma volta aos níveis de menor desigualdade que vigoraram antes da crise. Já a queda da desigualdade na Colômbia e no Chile foi mais lenta, o que provavelmente reflete dificuldades particulares desses países em melhorar a distribuição de renda.
 
De qualquer forma, a tendência geral de melhora é inequívoca, e se reflete nos índices de pobreza, cuja queda também foi disseminada entre a maior parte dos países da América Latina. Tomando-se a proporção da população que vive com menos de US$ 2 por dia, nota-se que o recuo foi generalizado, sendo mais agudo nos países que partiram de patamares mais altos no início da década passada.
 
Assim, na Bolívia, a fatia que tinha menos de US$ 2 por dia para viver representava 23,3% da população em 2000, caindo para 13% em 2008. No Equador, a proporção desabou de 16,3% para 4,1% entre 2000 e 2010. No caso da Colômbia, o recuo foi de 16,4% para 6,7%. O Brasil, por sua vez, saiu de 10,2% em 2001 para pouco mais de 5,4% em 2009. Como se pode perceber, o tão festejado recuo da pobreza brasileira nos últimos dez anos, apesar de mostrar um inegável sucesso das políticas econômicas e sociais domésticas, é até mais modesto do que o de vários vizinhos latino-americanos.
 
No caso de países que já tinham níveis de pobreza (medidos pela população vivendo com menos de US$ 2 ao dia) bastante baixos no início da década passada, a redução foi, naturalmente, mais discreta. O Chile saiu de 2% em 2000 para 1,2% em 2009, e o Uruguai de 0,6% em 2000 para 0,3% em 2010.
 
Os avanços na redução da pobreza e na desigualdade foram acompanhados – e parcialmente causados – por uma significativa melhora no mercado de trabalho. O desemprego caiu significativamente em todas as principais economias latino-americanas desde o início da última década.
 
Na Argentina, a proporção de desocupados saiu de 19,2% em 2001 para 7,2% em 2012 (nesse caso, é claro, deve-se levar em consideração a crise do fim da conversibilidade). No Chile, na Colômbia e na Venezuela, a queda no mesmo período foi, respectivamente, de 9,7% para 6,6%, de 13,3% para 11% e de 14% para 8%. Uma exceção, no caso do desemprego, é o México, cuja taxa subiu de 2,8% para 4,8% entre 2001 e 2012, embora ela ainda seja baixa em termos relativos. Por fim, no Brasil, a taxa de desocupação recuou de 11,3% para 6% de 2001 a 2012.
 
A melhora dos indicadores sociais latino-americanos sugere que muitas das transformações ocorridas no Brasil nas últimas décadas fizeram parte de tendências que varreram toda a região. Assim, os motivos que podem ser elencados para tentar explicar os progressos brasileiros provavelmente são válidos, de maneira geral, para outros países da América Latina.
 
Esse timing favorável está associado a uma fase de consolidação democrática, em que os governos combinaram os bons ventos econômicos com políticas sociais agressivas, possibilitando as melhoras sociais mencionadas.
 
Mas é interessante notar que, mesmo em áreas em que o avanço é mais gradativo e penoso, como a educação, há um movimento geral que empurra nossos vizinhos latino-americanos na mesma direção trilhada pelo Brasil. A taxa de escolarização avançou rapidamente nas últimas décadas, de forma generalizada.
 
No conjunto da América Latina, excluindo o Brasil, a escolarização (2) saiu de 79% em 1970 para 94,4% em 2010. Em países como México e Colômbia, a proporção de crianças na escola evoluiu naquele mesmo período de, respectivamente, 68,2% para 94% e 76,6% para 95%. No Brasil, o salto foi de 62,2% para 89,9%.
 
Esses dados fazem parte de levantamento dos economistas Robert Barro e Jong-Wha Lee, que sugerem que a melhora educacional não se restringiu à América Latina, mas abrangeu áreas muito mais amplas do mundo emergente. (3) A escolaridade média da China, por exemplo, saiu de 58,1% em 1970 para 93,5% em 2010, e a da Coreia do Sul aumentou de 75,7% para 96,4% em igual período.
 
Uma linha interessante de pesquisa seria a investigação da causalidade da mudança do perfil da força de trabalho — atualmente com maior escolaridade — na melhora nos níveis de emprego e de renda na América Latina. No caso brasileiro, apesar de toda a atenção recebida pelas políticas sociais, quando se discute a queda da pobreza e da desigualdade, as pesquisas, em linhas gerais, sugerem o importante papel da melhor educação dos trabalhadores nas condições da empregabilidade. Em trabalho recente, Lustig, Lopez-Calva e Ortiz-Juarez indicam que tal causalidade se observa também para os casos mexicano, peruano e argentino. (4)
 
O futuro

Uma questão pertinente, porém, é saber como as nações se comportariam no caso de uma virada desfavorável dos ventos econômicos mundiais. A história da América Latina, como se sabe, é rica em fases de enriquecimento esfuziante — frequentemente ligadas à alta das commodities e ao aumento das entradas de capital externo — seguidas de crises e recuos, nos quais se perde grande parte dos avanços sociais obtidos anteriormente.
 
Políticas econômicas têm efeitos que podem ser muito defasados no tempo. Se é verdade que quase toda a América Latina embarcou na última década numa fase de notáveis melhoras sociais, que provavelmente deriva de fatores comuns, a separação entre as políticas econômicas que hoje se assiste na região pode levar a diferenciações no futuro.
 
Essas políticas econômicas derivam de escolhas dos eleitorados, que agora têm como ator protagonista a nova classe média popular emergente. Em toda a América Latina, a secular desigualdade empurra os cidadãos à escolha de políticas redistributivas, mas a forma de proceder varia muito quando se compara os regimes de atuação dos Estados latino-americanos.
 
Tem-se, portanto, um experimento histórico, em que diferentes combinações de sistemas políticos, econômicos e sociais navegam o mesmo momento positivo para a região como um todo. O grande teste virá, porém, quando a situação global deixar de ser tão favorável, com uma possível queda no preço das commodities (que já deixaram para trás o momento mais exuberante) ou com a alta das taxas de juros internacionais.

(1) O índice de Gini é uma medida de desigualdade que varia de zero a um, e piora na medida em que se distancia de zero.

(2) No caso, a escolarização diz respeito à fatia da população que em algum momento esteve matriculada no ensino escolar formal.

(3) Barro, Robert and Jong-Wha Lee, April 2010, “A New Data Set of Educational Attainment in the World, 1950-2010”. NBER Working Paper n. 15902.

(4) Nora Lustig, Luis F. Lopez-Calva e Eduardo Ortiz-Juarez, “The Decline in Inequality in Latin America: How Much, Since When and Why”, Version: April 24, 2011, Tulane Economics Working Paper Series 1118.

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