quinta-feira, 28 de março de 2013

Espanha já tem 3 milhões em pobreza extrema; estudo fala em "década perdida"


A crise e os cortes sociais estão atingindo com tal força a sociedade espanhola que as rendas despencaram aos níveis de dez anos atrás. Já existem 3 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema, a antessala da exclusão social. E o poder aquisitivo, 18.500 euros em média por espanhol em 2012, é inferior ao de 2001. Os detalhes desse retrocesso foram apresentados na quarta-feira (20) pela instituição Cáritas, em um informe que fala em uma década perdida.

Jaime Prats
Homem aguarda para ser atendido em agência de empregos em Madri
Homem aguarda para ser atendido em agência de empregos em Madri
O cenário desenhado pelo estudo "Desigualdade e Direitos Sociais - Análise e Perspectivas 2013", elaborado pela Fundação Foessa (Fomento de Estudos Sociais e Sociologia Aplicada) a partir de diferentes fontes oficiais, é de uma situação de dureza sem precedentes recentes, segundo a entidade humanitária. O declínio da quantidade de dinheiro de que as famílias dispõem obedece ao efeito combinado da queda das rendas (4%) e do aumento de preços (10%). E se traduz em um empobrecimento que "avança em velocidade", acrescenta Carlos Susías, da Rede Contra a Pobreza e a Exclusão Social Espanha. Especialmente entre os menos favorecidos. "É uma verdadeira barbaridade a evolução dos últimos anos."
O retrocesso das rendas afeta de forma especialmente cruel as rendas mais baixas, uma categoria que não para de recrutar cidadãos: 21,8% dos espanhóis vivem em pobreza relativa --em 2008 o índice estava em 19,6%. São 10 milhões de pessoas. Esse índice (que é definido pela Eurostat) corresponde a 60% da mediana da renda nacional. Isto é, uma pessoa é pobre se vive com menos de 7.300 euros anuais. Para cada adulto que se soma à unidade familiar, seria preciso incluir a metade dessa quantia e 30% por filho. Dessa forma, um casal com dois filhos está abaixo do limite de pobreza se tiver menos de 15.330 euros para passar um ano.
A situação de pobreza severa (30% da renda mediana ou 3.650 euros anuais) também cresce e já alcança 6,4% da população --4% em 2008. Ao todo, cerca de 3 milhões. Para José Manuel Ramírez, presidente da Associação de Diretores e Gerentes de Serviços Sociais, esse último dado é especialmente preocupante. A pobreza extrema é o degrau que antecede a exclusão social. "Recuperar essas pessoas exige em média dez anos de intensa intervenção social, e isso representa um enorme custo humano e derecursos", acrescenta esse especialista em serviços sociais.
Há dados sobre os quais o relatório dá especial atenção. Por exemplo, o que indica que 38% das famílias monoparentais com um filho ou mais vivem abaixo do limite de pobreza e 11,7% de pobreza extrema, segundo a Pesquisa de Condições de Vida do Instituto Nacional de Estatísticas de 2011. Ou que a porcentagem seja semelhante (48% abaixo do limite de pobreza) no caso de famílias com dois adultos e três filhos a seu encargo. "Não se deve esquecer que a pobreza é o acelerador que leva à exclusão", insiste Susías, "e que esta é muito mais complexa de combater".
Até um ano atrás, os relatórios Foessa, destinados a dissecar a realidade social do país, não tinham periodicidade fixa. Depois de 2008, foi elaborado o de 2011. Entretanto, dada "a velocidade da evolução" da crise, seus responsáveis decidiram não deixar passar mais de 12 meses antes de voltar a sentir o pulso da situação, explicou o secretário-geral da Cáritas, Sebastián Mora, durante sua apresentação. "Se o relatório anterior revelava que a pobreza na Espanha era mais intensa, mais extensa e mais crônica, hoje se pode dizer que esse processo de empobrecimento se aprofundou em extensão", acrescentou Mora.
Uma das consequências da crise e do desemprego é o intenso aumento da miséria. Outra, "o aumento sem precedentes da desigualdade de sua distribuição" na sociedade. Desde 2006, a receita das pessoas com menos recursos caiu 5% ano após ano, enquanto nas famílias mais abastadas a tendência foi inversa. O resultado disso é que, desde o início do naufrágio econômico, em 2007, a diferença entre os mais ricos (os 20% de pessoas com maiores rendas) e os mais pobres (os 20% com menos receitas) aumentou 30%.
Essa é a sombria fotografia da crise hoje. Mas o futuro, uma vez que vão desaparecendo as nuvens carregadas e a atividade econômica ressurja, poderia ser igualmente ruim ou mesmo pior para os cidadãos mais desprotegidos. A Cáritas advertiu que a contundência e a multiplicação dos cortes sociais estão assentando as bases para que o impacto da crise se torne crônico entre os menos favorecidos. E que os "ajustes em bens básicos, a redução de benefícios sociais e a exclusão de grupos de cidadãos de serviços elementares" poderão se transformar em um obstáculo insolúvel na hora de tirar da pobreza a legião de cidadãos que ficaram presos nela.
"Os cortes nos serviços públicos de bem-estar podem representar uma ruptura definitiva para os mais pobres", insiste o relatório. "Corremos o risco de abandonar a sua sorte as pessoas mais desprotegidas", concluiu Sebastián Mora.

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