sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Nacionalismo no centro e na periferia do capitalismo


Neste trabalho, inicialmente, argumento que o nacionalismo é uma das ideologias das sociedades modernas conjuntamente com o liberalismo, o socialismo, o eficientismo e o ambientalismo

Luiz Carlos Bresser-Pereira
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Em seguida, na primeira seção, defino a nação como a forma desociedade politicamente organizada que nasce com a revolução capitalista e leva à formação dos estados-nação, e o nacionalismo como a ideologia correspondente: seu objetivo é a autonomia e o desenvolvimento econômico nacional. Na segunda seção, distingo o nacionalismo dos países centrais daquele dos países periféricos; enquanto nos primeiros o nacionalismo é implícito, nos periféricos ou é explícito ou então deriva para o cosmopolitismo. Na terceira, argumento que, embora o imperialismo seja inevitável entre países fortes e fracos, ele mudará de características na medida em que essa relação de forças se modificar graças ao nacionalismo dos dominados. Ainda nessa seção, faço uma breve referência ao Brasil. Finalmente, volto às ideologias do capitalismo para mostrar que, ao contrário das demais, o nacionalismo é uma ideologia particularista - o que aumenta a resistência a ela e facilita a tarefa de dominação dos países centrais. Não obstante, o nacionalismo não morre porque é um princípio organizador da sociedade capitalista.
O NACIONALISMO é uma ideologia particularista em vez de universal, e quando ele assume um caráter radical suas conseqüências são terríveis - mais violentas do que as resultantes da radicalização das outras grandes ideologias do capitalismo. Por isso - e também porque não interessa aos países ricos sua existência nos países em desenvolvimento -, o nacionalismo é uma ideologia sempre sob suspeita. Entretanto, como o nacionalismo é a ideologia que legitima as nações, e dado o fato que a sociedade moderna está organizada territorialmente em estados-nação, o nacionalismo é uma ideologia forte e onipresente. Outras ideologias são também importantes, mas como a competição entre os estados-nação é o fator econômico e político mais abrangente no capitalismo global, o nacionalismo, ainda que muitas vezes disfarçado, negado, tem sempre um papel central.
Durante a guerra fria, o conflito ideológico principal parecia ser entre liberalismo e socialismo; mas assim que a União Soviética entrou em colapso, ficou claro que mesmo o conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética era o conflito de dois nacionalismos. Além disso, quando vemos a experiência mais extraordinária de engenharia política da história (a construção da União Européia), podemos interpretá-la como uma negação do nacionalismo - e de fato o é na medida em que resultou da decisão da França e da Alemanha de limitarem seus nacionalismos e não mais fazerem guerra. Mas podemos também pensar a União Européia como o processo de criação de uma "nação" mais ampla, multiétnica e multilingüista - a nação européia - por meio da formação de um estado-nação mais amplo, ao mesmo tempo que se preserva a identidade nacional dos seus vários componentes.1 O nacionalismo continua, portanto, a ter um papel decisivo na vida política da humanidade. Conforme observou Benedict Anderson (1991, p.3), "o ‘fim da era do nacionalismo’, tão insistentemente profetizada, não está sequer remotamente à vista. De fato, o sentimento de pertencimento a uma nação é o valor mais universalmente legitimado da vida política do nosso tempo".
O nacionalismo é fruto da revolução capitalista que, além dele, deu origem a uma outra ideologia de origem burguesa, o liberalismo, e a três ideologias - o socialismo, o eficientismo e o ambientalismo - cujas origens são, respectivamente, a classe trabalhadora, a classe média profissional e as classes médias em geral. O liberalismo é a ideologia da liberdade de pensamento e expressão e da liberdade econômica; é tanto o sistema de valores e crenças que justifica os direitos civis quanto a tese não necessariamente radical do laissez-faire ou da mão invisível. Originalmente, uma ideologia revolucionária contra o Estado absoluto e o mercantilismo tornou-se depois uma das bases do conservadorismo moderno. Não obstante, o liberalismo continua a ser uma conquista fundamental da humanidade como afirmação dos direitos civis ou do estado de direito.
Já o nacionalismo é a ideologia que une a nação, é sentimento de destino comum que garante a coesão necessária à nação para que ela se assegure de um território, organize um Estado e forme, assim, um estado-nação. É a ideologia da autonomia, da segurança e do desenvolvimento econômico nacional. A nação, por sua vez, é o grupo social razoavelmente homogêneo que partilha um destino comum e dispõe ou tem condições de vir a constituir um estado-nação - a unidade político territorial em que está dividida politicamente a humanidade no capitalismo. O nacionalismo é uma ideologia originalmente burguesa, mas com uma conotação popular, já que só faz sentido quando capitalistas, trabalhadores e classe profissional superam de alguma forma seus conflitos internos, partilham um destino comum e se solidarizam na competição com as demais nações.
O socialismo, por sua vez, é a ideologia da justiça social. Marx o definiu como um modo de produção, mas essa forma de organização da sociedade não se concretizou e não há perspectivas de que isso aconteça em um horizonte previsível. Em compensação, um grande número de valores socialistas visando à igualdade substantiva entre os seres humanos foi incorporado aos sistemas jurídicos dos estados-nação modernos, fazendo parte do patrimônio comum das sociedadesmodernas. É a ideologia dos direitos sociais que atendem primariamente às minorias ou aos oprimidos, aos pobres, aos trabalhadores, às mulheres, às minorias étnicas.
O eficientismo - ou ideologia da eficiência, se preferirmos evitar esse neologismo - é a ideologia da racionalidade instrumental, da definição do meio mais adequado ou menos custoso para se atingir o fim visado, da eficiência ou da produtividade, portanto. É uma ideologia originalmente tecnoburocrática ou profissional que emergiu no início do século XX, a partir do momento em que as unidades fundamentais de produção deixaram de ser familiares para serem organizações burocráticas, e que uma nova classe de profissionais ou técnicos passou a desempenhar um papel decisivo na sociedade porque tem ou pretende ter o monopólio do novo fator estratégico de produção: o conhecimento tanto administrativo quanto técnico e comunicativo.

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