sexta-feira, 27 de julho de 2012

“Nós, mulheres, estamos desenhadas para engravidar e parir sem nenhuma dificuldade”


Para Naolí Vinaver, parteira tradicional e profissional mexicana, a maneira como as mulheres estão parindo seus filhos atualmente reflete um tipo de sociedade consumista e capitalista em que a visão da pressa e a rapidez prevalecem sobre a qualidade da vida como experiência primordial

Graziela Wolfart
O movimento pela humanização do parto é definido pela parteira mexicana Naolí Vinaver como “a união e visão humana, tanto intelectual como técnica e profissional, de pessoas de diversas áreas que se importam com a qualidade da atenção recebida pelas mulheres, bebês e famílias durante o processo de parto e nascimento”. Dona de vasta experiência em contribuir para que bebês nasçam de parto natural, Naolí afirma que “na medida em que as mulheres foram levadas para os hospitais e os seguimentos das suas gravidezes e partos começaram a ser acompanhados por homens médicos (na sua vasta maioria), elas foram perdendo a dignidade, o seu direito à integridade física e emocional e, com isso, a sua autonomia de parideiras capazes”. E conclui, em meio a suas respostas enviadas por e-mail à IHU On-Line: “o problema não são as mulheres ‘imperfeitas’ que ‘não sabem parir mais’, mas a cultura do parto que esqueceu da mulher no processo desenfreado por adquirir as mais altas tecnologias sem virar a cabeça para ver que elas não são necessárias na maioria dos casos”.
Naolí Vinaver Lopez é uma parteira mexicana que combina a prática do parto tradicional com um profundo interesse e respeito pela psicologia e a fisiologia do parto. Desde 1987 ela atendeu por volta de 1000 partos domiciliares em sua região (Xalapa, Veracruz, México), além de participar como conferencista em congressos sobre parto em mais de 30 países. Naolí teve três filhos em partos domiciliares acompanhada de sua família, o último dando origem ao vídeo “Dia de Nascimento” (http://bit.ly/MFMclN). Ela mantém o site www.nacimientonatural.com/Naolí-Vinaver.
Confira a entrevista. 
IHU On-Line – O que caracteriza o movimento pela humanização do parto e do nascimento?
Naolí Vinaver – O movimento se caracteriza pela união e visão humana, tanto intelectual como técnica e profissional, de pessoas de diversas áreas que se importam com a qualidade da atenção recebida pelas mulheres, bebês e famílias durante o processo de parto e nascimento. O movimento se importa profundamente com a experiência pessoal, tanto física como emocional das pessoas envolvidas no parto, baseando-se em dados científicos e psicoemocionais que oferecem evidências fortes sobre os efeitos em curto e longo prazo dessas vivências nas pessoas.
IHU On-Line – O que tem motivado a ebulição deste movimento pelo mundo atualmente?
Naolí Vinaver – A motivação em verdade não é nova, o que é novo é a capacidade atual de se comunicar com o crescimento e expansão dos meios de comunicação que possibilita às pessoas a comunicação umas com as outras, dando como resultado uma crescente consciência das similitudes nas experiências vivenciadas. A partir de inúmeros congressos internacionais, de contato entre pessoas de países diversos, de artigos publicados, pesquisas e expressões individuais e de grupo, o movimento tem se desenvolvido com muita força e lucidez, dando frutos e avanços exemplares. Não sem que ainda fique o maior trecho por ser conquistado e as estratégias e mudanças ainda por serem efetuadas.
IHU On-Line – Como o Brasil e a América Latina se posicionam neste contexto?
Naolí Vinaver – Acho que o Brasil e a América Latina não podem ser incluídos na mesma frase. O Brasil é um país que se diferencia dos outros países da América Latina em que as pessoas civis se sentem parte dos órgãos que tomam decisões, quer dizer, que o vínculo e a humanidade que têm as pessoas civis e as pessoas que já trabalham dentro da Secretaria de Saúde, para citar um exemplo, é de uma parceria e comunicação que não se vê em outros países da América Latina, onde geralmente as instituições se caracterizam por uma prepotência muito marcada, que desvincula os seus representantes dos cidadãos comuns. Mesmo assim, tanto o Brasil como a maioria dos países da América Latina têm em comum um índice elevadíssimo de cesáreas e inúmeras intervenções gineco-obstétricas, evidentemente desnecessárias, o que resulta que a mulher nesses países desconheça suas capacidades para parir natural e espontaneamente, e que quem deseja fazê-lo precise lutar com muita veemência e intensidade, como um salmão que nada contra a correnteza. Nesses países, nós que lutamos por um parto mais humano e cálido precisamos uns dos outros para conseguir ter uma voz que seja ouvida. Paradoxalmente, é também por causa de tantas e tantas formas de violência e agressão obstétrica vividas por tantas mulheres e bebês que o movimento encontra-se fortalecido.
IHU On-Line – O que a senhora destaca em relação ao respeito e à integridade física e emocional da mãe, do bebê e da família durante um nascimento?
Naolí Vinaver – O merecimento a parir com respeito à fisiologia e à intimidade da mulher e do bebê nunca deveria ter mudado das épocas em que as mulheres sempre pariam em casa, acompanhadas por parteiras (mulheres com experiência nas artes do bem-parir). Mesmo que se compreenda que, com a evolução da ciência, as mulheres foram levadas das suas casas para parir nos hospitais, o parto não deveria ter deixado de ser considerado um processo natural de vida e de saúde, só precisando em muitos poucos casos da ajuda justa e precisa da medicina “moderna”. Na medida em que as mulheres foram levadas para os hospitais e os seguimentos das suas gravidezes e partos começaram a ser acompanhados por homens médicos (na sua vasta maioria), elas foram perdendo a dignidade, o seu direito à integridade física e emocional e, com isso, a sua autonomia de parideiras capazes.
IHU On-Line – Como a senhora define a mulher-mãe enquanto autoridade em relação à gravidez e ao bebê que gera em seu ventre?
Naolí Vinaver – Nós, mulheres, estamos desenhadas para engravidar e parir sem nenhuma dificuldade. Como tal, somos autoridades nessa experiência e processo de parir e só precisamos de apoio amoroso e paciente para acompanhar o processo. São as parteiras, desde a época da Antiguidade, que acompanhavam as mulheres nesse momento, caso precisassem de ajuda em algum trecho do processo. Geralmente uma mulher não precisa de ajuda, mas sim de respeito, de intimidade e paz para parir de forma espontânea. Quando esses elementos são tirados da mulher, ela começa a encarar algumas dificuldades que têm a ver mais com o entorno e o aculturamento do parto do que com a sua fisiologia. O problema não são as mulheres “imperfeitas” que “não sabem parir mais”, mas a cultura do parto que esqueceu da mulher no processo desenfreado por adquirir as mais altas tecnologias sem virar a cabeça para ver que elas não são necessárias na maioria dos casos.
IHU On-Line – A maneira como as mulheres estão parindo seus filhos atualmente reflete que tipo de sociedade e de cultura?
Naolí Vinaver – A maneira como as mulheres estão parindo seus filhos atualmente reflete um tipo de sociedade consumista e capitalista em que a visão da pressa e a rapidez prevalecem sobre a qualidade da vida como experiência primordial. Uma sociedade que não pergunta nem escuta às suas mulheres deixando-as escolher e dirigir as suas experiências sexuais, de gravidez e de parto, baseando-se nas suas intuições, no instinto primordial como fêmeas parideiras, e com base em informações fidedignas e legítimas, não é uma sociedade avançada. O dia em que a mulher ocupar um lugar precioso como uma doadora de vida poderosa e cheia de sabedoria, dentro de todos os âmbitos – o psicossocial, o econômico e cultural, assim como o político –, essa cultura vai virar um exemplo para a humanidade inteira.
IHU On-Line – O que caracteriza o ofício da parteira e qual a importância que ela tem para a mãe e a família do bebê que chega por suas mãos?
Naolí Vinaver – A parteira é uma companhia experta e solidária para a mulher no seu caminhar pelas paisagens e experiências únicas da gravidez, do parto, do nascimento e na fase de pós-parto dos primeiros anos de vida. A importância dela não pode nem ser calculada. Basta perguntar para qualquer mulher se ela gostaria de receber carinho experiente e segurança durante as suas experiências de gestar, para entender a importância da parteira nas sociedades. E aquelas sociedades que têm perdido o fio da parteira e nas quais as mulheres não lembram nem como era quando outra mulher era a sua acompanhante experiente demonstram só uma triste falta de cultura e bom-senso.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar mais algum comentário sobre o tema?
Naolí Vinaver – Só quero lembrar às pessoas “modernas” que se consideram frutos da alta tecnologia que, inclusive neste minuto em que se lê esta entrevista, a vasta maioria dos seres humanos que estão nascendo chega nas mãos quentinhas e carinhosas das parteiras nos mais diversos cantos do mundo. É bem assim. A maioria dos seres humanos do século, ano, mês e dia atuais ainda nascem fora do hospital nas mãos das parteiras, e a humanidade prolifera de forma saudável. Acho que o ser humano moderno precisa de um toque de humildade e de mais amor para conseguir continuar a nossa caminhada por esta terra. Eu sou uma das muitas mães do mundo o suficientemente afortunadas por ter parido os meus três filhos na minha casa, na companhia amorosa da minha família, e de uma parteira, e isso me dá a maior sensação de felicidade.
Assunto Visualizações Data - Hora Nº do texto Postagem
Comportamento 55 23/07/2012 -22h 13028 Ricardo Alvarez


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